sexta-feira, 26 de março de 2010

O Perdão e a Justiça sob o olhar da Psicanálise Jurídica

Em uma das aulas de Psicanálise Jurídica, ao debatermos e analisarmos algumas questões, questionei os meus próprios princípios concernentes à idéia de Culpa, Responsabilidade, Perdão e Justiça.

Pen
semos em uma seguinte situação, que aconteceu em São Paulo, em Novembro de 2009: A mãe de duas meninas (uma de cinco meses e a outra de seis anos) sempre cumpria a mesma rotina: Deixava sua filha mais nova na Creche, depois deixava a filha mais velha na escola e, por fim, ia para seu trabalho. Um dia, alterou a sua rotina e deixou, primeiramente, a filha mais velha na escola e foi trabalhar, esquecendo durante cinco horas a filha mais nova dentro do carro. A criança, que não agüentou o calor superior a 30 graus, morreu com queimaduras em várias partes do corpo. Especialistas em neurologia disseram que a mãe não esqueceu a filha no carro, mas ela pensou que já a tinha deixado na Creche. Quando você altera uma rotina, segundo os mesmos especialistas, é como se você tivesse pulado um passo.

Analisando esse caso, seria justo que essa mãe respondesse pelo crime de homicídio culposo, tipificado no Art. 121, §3º do Código de Direito Penal?

Acredito que muitos concordariam que, nesse caso concreto, a solução mais justa seria eximir essa pobre mãe, devido ao sofrimento pela perda da sua filha, de toda culpa e responsabilidade, não sendo necessário que ela fosse submetida ao uso dos rigores penais. Essa solução está expressa no nosso ordenamento jurídico, no art. 121, §5° do código de Direito Penal, conhecida como Perdão Judicial.

Mas analisemos sob outra perspectiva: Qual o conceito de justiça? Para o jurista Hans Kelsen, a justiça não é uma idéia ligada a um bem absoluto, mas sim a um bem relativo. É a compreensão que cada um tem para si mesmo. Segundo Kelsen, “ é nosso sentimento, nossa vontade e não nossa razão, é o elemento emocional e não o racional de nossa atividade consciente que soluciona o conflito”. Assim, a justiça é o que é justo ao emocional de quem julga e esse emocional é diferente em cada um de nós. Sendo, então, a justiça um conceito subjetivo, será que ao tirarmos a responsabilidade dessa mãe, sob o ponto de vista do Direito Penal, faremos com que ela se sinta menos responsável? Isentá-la de qualquer culpa fará com que não sinta mais culpa? Será que, para ela, terá sido feita a justiça?

Para a Psicanálise, essa é uma questão muito delicada, pois, enquanto para o Direito o sujeito só é responsável ao agir, pelo menos culposamente (pela imprudência, negligência ou imperícia), sob o ponto de vista da psicanálise o sujeito mesmo sem culpa é responsável. É que a culpa, para psicanálise, está presente no inconsciente do sujeito que, por sua vez, interfere a todo momento no seu consciente.

Segundo a psicanálise, a culpa independe da responsabilidade. Podemos nos sentir culpados sem nunca termos praticado qualquer ato, mas apenas pelos nossos pensamentos destrutivos. Somos responsáveis até mesmo por aquilo que sonhamos. E o Direito, tratando o sujeito ao conceder o Perdão Judicial, como um sujeito sem responsabilidade, pela falta do elemento culpa (conceito jurídico), não reduz o campo da culpa íntima, ou seja, aquela que cada um coloca para si mesmo. Assim, perdoar essa mãe, o que nos parece algo justo, pode provocar o seu sentimento de culpa pelo resto da vida, por nunca sentir que foi julgada e que tenha sido punida, de alguma forma, mesmo que pela justiça dos homens, por aquilo que cometeu.

Ficamos, então, com o dilema: Aplicar ou não o Perdão Judicial em casos como esse?Acredito que não seja uma questão, simplesmente, de se optar pelo sim ou pelo o não, mas sim a consciência de que é preciso uma análise cuidadosa dos aplicadores do Direito, contando com a ajuda da própria Psicanálise, para que encontremos a melhor solução a fim de se conciliar a LEI, prevista no ordenamento jurídico, e o íntimo (a satisfação pessoal de cada indivíduo), que se apresenta sempre de forma única e peculiar em cada caso concreto.


3 comentários: