quinta-feira, 11 de março de 2010

Cumprir a pena basta?


"Atualmente, as penas, as condenações (de modo geral, de todos os campos do Direito) trazem justiça? E junto com a justiça trazem o perdão? Enfim, justiça e perdão são conceitos que "andam sempre juntos"? E ainda, são conceitos que devem "andar juntos"? O ordenamento jurídico atual permite que isso aconteça?" (Daniel Chaves)

"Esta situação espelha não só o repúdio dos brasileiros contra os delitos mais cruéis, como também a dificuldade de perdoar tais comportamentos, inclusive após o cumprimento da sentença. Em episódios deste tipo, surge da criminalidade a mais severa das punições, que penaliza o criminoso com duas penas. Primeiramente, a da justiça: criada para todos, imparcial, delimitada pelo tempo e, por sua natureza, perdoável juridicamente ao fim de seu cumprimento. Posteriormente, a social: moralmente questionadora, imperdoável na maioria dos casos e que se arrasta, indefinidamente, pelo tempo." (Ana Clara Furtado)


Escrever sobre justiça e perdão tem se revelado um assunto extremamente difícil, tanto pela diversidade de opções quanto pela conotação das duas palavras. O conceito de Justo e Justiça é discutido desde os mais primórdios tempos, ao ponto de já se ter afirmado que é impossível responder o que é justiça. Perdoar, dentre vários de seus significados, pode ser entendido como dar por completo, desculpar. Mas mais difícil ainda é escrever sobre o assunto após vários outros textos, principalmente quando escritos por colegas.

Ao nos indagar se as penas e condenações trazem justiça e o perdão, o Daniel nos convida a refletir sobre um assunto muito controverso: aquele que cumpre a pena, está perdoado? O perdão jurídico deve ser entendido como o perdão social?

Para tentar lançar uma discussão sobre o tema é que eu escrevo:


OS DOIS CRIMES DE FRANCISCO

2 de agosto de 1966, Francisco conhece Margareth e após conversarem resolvem ir para o apartamento dele esticar a noite. Tomado por um impulso inexplicável, Francisco estrangula Margareth e após matá-la esquarteja a mulher. No dia 5 de agosto, ele se entrega à polícia. É sentenciado então a 18 anos de reclusão por homicídio e 2 anos e seis meses de prisão por destruição de cadáver. Apresenta um comportamento exemplar e sua pena é comutada então para 14 anos, quatro meses e 24 dias. Cumpre 8 e é posto em liberdade.

Em 15 de outubro de 1976, Francisco conhece Ângela e após uma conversa resolvem ir para o apartamento dele esticar a noite. Tomado por um impulso inexplicável, estrangula Ângela e após matá-la esquarteja a mulher. No dia 26 de outubro é preso pela polícia tentando embarcar para uma cidade do interior.

Francisco então é novamente condenado: 22 anos e seis meses de reclusão. Reparem que a pena comutada a ele se deu antes da reforma penal de 1984 quando ainda era possível a aplicação da pena privativa de liberdade e a medida de segurança. Com o advento da referida reforma isso se tornou incabível com a escolha do sistema vicariante, ou se aplica a pena privativa ou se aplica a medida de segurança.

Pois bem, devido à barbaridade e crueldade do seu crime, Francisco passou a ser estudado por psicólogos e psiquiatras forenses e em 1994 foi diagnosticado como dotado de “personalidade psicopática perversa e amoral, desajustada do convívio social e com elevado potencial criminógeno”, e, assim, considerado incapaz de viver em sociedade. Ressalte-se que no caso é alegado não haver instituição no País capaz de receber e cuidar de Francisco.

Em 1998, Francisco deveria ter sido solto, mas uma ação de interdição de direitos, embasada em um decreto de 1934 fez com que continuasse preso, e assim continua até hoje, 12 anos após o fim da sua pena! Ora pois, cria-se dessa forma a esdrúxula figura kafkaniana da “prisão civil por interdição”, não só isso uma prisão que beira a perpetuidade.

Vejamos então, Francisco foi preso e cumpriu sua pena, logo poderíamos pensar que ele estaria juridicamente perdoado, mas sua prisão esteve longe de alcançar a pretendida resocialização. A pena não “curou” Francisco. Foi feita justiça nesse caso? É justo que Francisco continue preso até hoje? A sociedade poderia perdoar Francisco? Ou seria difícil falar em perdão para “Chico Picadinho”?

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