sexta-feira, 30 de abril de 2010

Júri popular + Apelo popular = Justiça (igualmente popular)?

Se vivêssemos na antiguidade, por volta de 1700 a.C. na antiga Mesopotâmia, o caso de Isabella de Oliveira Nardoni teria uma sentença um tanto quanto "diferente". Na vigência do Código de Hammurabi, legislação válida na região nessa época, a escala das penas era descrita segundo os delitos e crimes cometidos usando a lei do talião como base desta escala. Provavelmente teríamos como desfecho a morte de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá - vale ressaltar que jamais desejei tal fim aos sentenciados, sendo tal suposição meramente introdutória.
Com o passar do tempo tivemos, no Brasil, a instituição do Júri pela primeira Lei da Imprensa de 18 de Junho de 1822. A competência do Júri era até então limitada ao julgamento de crimes de imprensa. Mas a partir da Consitituição Imperial de 1824, o Júri passou a ser considerado órgão do poder Judiciário e sua competência passou a abarcar o julgamento de causas cíveis e criminais. Posteriormente, com o Código de Processo Criminal de 1832, o Brasil passou a adotar um sistema francês-inglês que deu aos jurados competência sobre a matéria de fato e de direito. O Decreto-lei 261 de 1841 desvinculou tal sistema e foi ratificado, limitando a competência do Júri.
Inúmeras foram as alterações ocorridas na legislação passada até a de hoje no que diz respeito ao tratamento da instituição jurídica do Júri e, finalmente, chegamos à atual disposição. O Júri está atualmente disciplinado no Art. 5° XXXVIII da Consituição Federal. Os princípios em tal inciso estão arrolados nas alíneas que o acompanham, a saber, a plenitude da defesa (alínea a), o sigilo nas votações (alínea b), a soberania do veredicto (alínea c) e a competência mínima para o julgamento de crimes dolosos (alínea d). E, com isso, temos que nos crimes dolosos contra a vida, o "cidadão comum" será julgado pelo Tribunal do Júri - ao contrário dos possuidores de foro privilegiado que serão julgados pelo juízo especial - tal qual ocorrera com os réus do caso Isabella Nardoni.
Cogitou-se que o Tribunal do Júri passasse a funcionar de acordo com princípios consagrados do Direito, fundado no direito e na prova. Mas qual foi minha surpresa quando me deparei com a forte evocação do apelo popular na fundamentação da sentença do caso Nardoni. Certamente, o apelo popular é fatalmente um elemento inerente ao Júri uma vez que tal grupo é formado por um conjunto de cidadãos escolhidos mediante sorteio. Porém, existiria a possibilidade de sentença contrária à proferida frente ao tamanho apelo popular? Como seria a vida dos réus caso eles fossem absolvidos? A justiça teria sido feita? Talvez. Mas não durariam um dia sequer nas ruas.
Hei de mencionar que a atrocidade do caso causou forte impacto na sociedade e isso não é de se espantar. Eu, como milhares de outros brasileiros, fiquei extremamente chocado com o caso. Que tipo de pai faria isso com a própria filha? Não houve quem não desejasse inúmeros males aos sentenciados Alexandre e Anna Carolina por praticarem tais atos. Mas e a justiça?
Baseando-me na concepção levantada no Livro IV de Ética a Nicômaco, tenho que a Justiça pode ser alcançada tanto pela Lei (é justo aquele que segue as normas da lei) quanto pela Igualdade (é justo aquele que dá a cada um o que é seu). A Lei de Hammurabi era tão válida em sua época quanto a nossa Lei atual é hoje. Portanto, a justiça pode até ter sido "feita". Mas o que temos aqui, a meu ver, é um caso de justiça feita por livre e espontânea pressão - popular.
Quanto ao perdão, então, nem ouso discutir.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Quem ama mata? Justiça e perdão nos crimes passionais

Quem ama mata?
Justiça e perdão nos crimes passionais

Ana Maria Alves Machado

Li recentemente o livro “A paixão no banco dos réus”, de autoria da procuradora de Justiça, Luiza Nagib Eluf. No enredo do livro, lemos sobre os 13 crimes passionais mais famosos do país, que remontam ao ano de 1873, quando o desembargador Pontes de Visgueiro matou a namorada, e chegam aos dias atuais, com o assassinato de Eloá Cristina Pimentel por Lindemberg Alves. Após a narrativa dos homicídios, a autora descreve a solução dos casos, através dos julgados do Tribunal do Júri, mostrando que, em algumas vezes, a Justiça puniu os culpados, sob forte clamor popular, e, em outras, os perdoou, deixando à população o sentimento de impunidade.
São consideradas, ao longo da narrativa, as teses apresentadas pela defesa e pela acusação em Tribunal do Júri, o que me fez examinar a histórica mudança de paradigmas, a cerca dos direitos fundamentais que envolvem os crimes passionais no Brasil. Uma prerrogativa disso está, por exemplo, nas declarações narradas nos primeiros enredos que alegam “legitima defesa da honra” como motivo principal para o cometimento do delito. Ao se reputar a esse ensejo, o réu adquiria certa respeitabilidade no meio social, ao passo que a vitima, geralmente a mulher, era aniquilada em seus direitos mais elementares,sendo o primeiro deles o direito à vida.
Hoje, a Constituição Federal de 1988, em seu Art. 5ºI, assegura a igualdade de direitos entre homens e mulheres e a tese de “legitima defesa da honra”, além de não ser mais socialmente aceita, pode incitar à descriminação de gênero que tem punição prevista em lei. Ao analisarmos que o que motiva o crime passional é a relação de poder do assassino com a vítima, constatamos que o amor verdadeiro não leva ao crime e que a legítima defesa da honra não pode mais ser utilizada para justificar o assassinato.
Crimes hediondos são delitos que recebem um tratamento legal mais severo, não havendo possibilidade de fiança, nem cumprimento de pena em regime aberto ou semi-aberto. O Casal, Paula e Guilherme de Pádua, não foram atingidos pela lei de crimes hediondos, porque o assassinato foi cometido antes da inclusão do homicídio como crime hediondo. Eles ficaram presos por sete anos e foram beneficiados com progressão no regime prisional, cumprindo parte da pena em liberdade condicional.
Justiça ou perdão? Quando ficou sabendo dos benefícios que os condenados pela morte de sua filha receberiam da Justiça, Glória Perez fez uma declaração à imprensa:”Minha luta acabou. Mesmo que Paula e Pádua deixem a prisão em breve, simbolicamente, eles foram condenados pelo resto da vida”.
Observamos que várias foram as formas de julgar os crimes passionais aqui expostos. Ao longo da história, e na medida em que as normas penais foram ficando sutilmente desprovidas de certo teor patriarcal e machista, as penas foram sendo aplicadas com mais justeza, ou seja, no sentido da qualidade do que é justo, do que é exato. A antiga tese de “legítima defesa da honra”, os jargões de “matei por amor”, “estava fora de mim, possuído pelo ciúme”, hoje são indefensáveis.
A despeito de crimes passionais, é preciso explicar que esse delito é uma combinação de antagonismos. É um misto entre amor e ódio, alegria e tristeza, perdão e vingança, ternura e ferocidade. Nesse misto de sentimentos temos a extrapolação do agente subjetivo que indica o elemento motivador do crime: a paixão.
Não é à toa que para os filósofos do estoicismo a paixão era irremediavelmente má; pois era tida como um movimento irracional, como um vício da alma. De tal forma, a única atitude do homem sábio deveria ser o extermínio total da paixão, para dar lugar somente à razão. Os epicuristas acreditavam que a vida ideal do sábio, que almeja a liberdade e a paz como bens supremos, consistiria na abnegação a todos os desejos possíveis, aos prazeres positivos, físicos e espirituais; e, por conseguinte, em vigiar-se, no precaver-se contra as surpresas irracionais do sentimento, da emoção, da paixão. A paixão faz sofrer o corpo, por isso, para estar tranqüilo; não ser perturbado no espírito, é imprescindível renunciar a todos os desejos possíveis, visto ser o desejo inimigo do sossego. Os sofistas contrastam paixão e razão, na medida em que cria uma desordem manifesta no homem, em que o corpo é inimigo do espírito e se opõe ao intelecto.
Nos primeiros crimes, percebe-se, embora equivocadamente, que o crime passional, no fim do século XIX e em boa parte do século XX, por ser cometido por paixão, fazia com que o comportamento do assassino fosse avaliado como algo nobre, que esse ato de cometimento de um crime lhe fosse assegurado como forma para preservar sua honra, sua posição hierárquica na família e sua dignidade social. No que tange à punição ao crime passional, o atual Código Penal rompeu com uma prática jurídica anterior, pois a lei penal isentava de pena o agente que tivesse praticado o fato sob a influência de "completa perturbação dos sentidos e da inteligência", o que era, por muitos, considerada como uma "válvula de impunidade" dos homicidas passionais. Atualmente isto não acontece, pois o crime passional é considerado hediondo.
O crime passional não pode ser confundido com a atenuante de violenta emoção, prevista no Código Penal, que é aquela em que o agente pratica o crime sob "violenta emoção", logo após injusta provocação da vítima. O que vige no Código Penal é que a emoção ou a paixão não exclui a culpabilidade de quem fere ou mata outra pessoa. Portanto, para o direito penal positivado na norma escrita, não há tratamento específico e mais brando para o crime passional.
Ao contrário, se entendermos que o ódio, a inveja ou a ambição pode ser fruto de uma paixão incontrolável (ou, ao menos, difícil de ser controlada), temos de admitir que a lei não só não atenua a culpabilidade do agente, mas considera a conduta como uma forma qualificada de homicídio, muito mais grave pela maior quantidade de pena e, também, pelas conseqüências repressivas resultantes do fato ser considerado como crime hediondo.
Deste modo conclui-se que o direito penal atual, entende que tanto a emoção quanto a paixão (a primeira, uma manifestação do psiquismo ou da consciência humana mais fugaz e passageira, a segunda mais duradoura e prolongada) não excluem a imputabilidade do agente, pois o bem jurídico maior - a segurança coletiva- não pode transigir com a idéia de eventual e completa absolvição do homicida passional, mesmo nos casos de ter o agente se conduzido sob a influência de forte emoção ou paixão.
Justiça ou perdão? Com relação à Justiça, nas leis estão previstas todas as punições para o descumprimento do que foi estabelecido nos códigos e essas leis foram elaboradas de modo a tratar todos de forma igual, como única maneira de controlar as ações individuais. No entanto, visto que as pessoas têm comportamento diferente entre si, então, como saldar dívidas com a Justiça pode significar cumprir a pena determinada na condenação? Quais os fatores coletivos estipulam o valor da vida em anos de prisão ou, simplesmente, de cumprimento de 1/3 da pena, com possibilidade de progressão dessa pena por ‘bom comportamento’? O que é que define o ‘bom comportamento’ de uma pessoa que matou outrem por motivo fútil?
O perdão é um ato individual que envolve valores intangíveis e não exige a reparação dos danos causados pelo culpado. Não segue regras preestabelecidas. Cada caso é um caso, sendo descartado o recurso da jurisprudência. Dispensa documentos e satisfações a terceiros selando essa decisão. Significa mais uma reconciliação do que o resultado de um julgamento. Quem tem que perdoar é a família da vitima, os pais, os irmãos, os amigos? Como esse perdão repara o crime praticado?
A Justiça, por outro lado, para ser verdadeiramente justa precisa de regras definidas que têm de ser obedecidas independentemente de credo religioso, posição social e vontade pessoal. Onde o perdão é uma concessão muito rara porque pode ser entendido como fraqueza no cumprimento da lei. A condenação ou absolvição, para ser considerada eqüitativa, deve primar pela imparcialidade e pela transparência. Por isso, a Justiça não perdoa ninguém, apenas sentencia a culpa ou a inocência do réu. Quase todo condenado por crimes passionais, quando vai para a prisão, é esquecido, após a espetaculosa condenação no Tribunal do Júri, quando só então réu e os familiares da vitima são exaustivamente expostos na mídia. Depois, com o passar dos anos, caem em total esquecimento. Tanto a Justiça quanto o perdão só voltam à baila quando um novo caso, geralmente com as mesmas prerrogativas dos anteriores, é transcrito nas páginas policiais. A pergunta é sempre a mesma: “Quem ama mata?”

quarta-feira, 28 de abril de 2010

A Lei de Talião

A Lei do talião (do latim Lex Talionis; lex: lei e talis: tal, parelho) consiste na justa reciprocidade do crime e da pena, ou seja, estipula que para um olho só deve-se pleitear um olho em contrapartida, e não mais que isso. Mas será que é este o sentido da pena? É este o sentido de se fazer justiça? O homem que tivesse seu filho assassinado “ganharia” o direito de matar o filho do assassino? E onde se encaixaria o perdão?

A Lei de talião atendia ao conceito de justiça da época, uma justiça imediatista. Era ela que trazia de prontidão a resposta para uma sociedade aflita por ordem, a cura para os males inerentes ao ser humano (sim, qualquer um é passível de praticar a maldade). Mas até quando esta Lei acolheria as demandas de uma sociedade mutável?

Uma das grandes falhas da era Lei de talião foi dar à palavra justiça um sentido restrito e precário. Com o decorrer do tempo, verificou-se que ela deixava algo a desejar. Não satisfazia ao ser humano por si só e nem à comunidade em que estava inserido. Como cidadãos de um mundo cujas transformações sociais acontecem de forma tão frequente, sabemos que justiça está muito além do “olho por olho, dente por dente”. Qual seria, então, a alternativa?

É aí que a compreensão do que é perdão torna-se importante.

Até se desvincular da era Lei de talião o homem precisou rever conceitos internos e sociais. Um deles era exatamente compreender e exercer o perdão. Perdoar não é esquecer ou deixar esquecido. Um dos mais relevantes entendimentos sobre perdão é a conscientização de que todo homem é suscetível de erros e acertos e, como consequência, o mesmo foi buscar uma responsabilização – não uma punição como visava a Lei de talião –, para seus atos de forma tal que pudesse resgatar qualquer indivíduo ao convívio social.

Não sei corretamente, e creio que ninguém possa definir exatamente, o que seja justiça. Mas, assim como a liberdade, “é uma palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda” (Cecília Meireles). Temos um ideal de justiça, e este ideal ajudará o exercício de perdão. Perdão a si mesmo e ao outro para mudar o olhar e transformar a pena/punição para a pena/sanção.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Chico Xavier, Justiça e Perdão

Recentemente com o lançamento do filme “Chico Xavier” o debate entre justiça, religião e perdão entrou em voga novamente. Em acontecimento inédito a Justiça Brasileira aceitou cartas psicografadas pelo médium Chico Xavier como prova para inocentar acusados de assassinato.
No filme um dos casos é retratado: Thomaz, filho de um casal de classe média alta do Rio de Janeiro, morre enquanto ele e o amigo, Eduardo, manuseavam uma arma encontrada por eles. Eduardo sobrevive, presencia a morte de Thomaz e é acusado da morte do amigo. No julgamento o pai de Thomaz apresenta carta psicografada pelo médium Chico Xavier, assinado por Thomaz, e defende a inocência do acusado. Apesar de anteriormente defender a culpa de Eduardo na morte do filho após receber a carta psicografada o pai de Thomaz acredita na sua inocência, o perdoa e requer à Justiça o Perdão Judicial.
Temos agora dois conceitos paralelos de perdão que podem ser confrontados e aplicados à situação. O primeiro é o conceito popular, encontrado nos dicionários: “Perdoar - do lat. med. perdonare significa “desculpar”, “absolver”, “evitar.”. Por outro lado existe o perdão judicial que: “Consiste na clemência do Estado para situações expressamente previstas em lei, quando não se aplica a pena prevista para determinados delitos ao serem satisfeitos certos requisitos objetivos e subjetivos que envolvem a infração penal.”.
No caso supracitado o perdão pessoal, de sentido comum, concedido por parte do pai da vitima o levou a requer o perdão judicial, por parte da Justiça. Dessa forma uma discussão é suscitada: poderia a religião intervir na Justiça desde que para se alcançar um bem maior, a justiça?

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Justiça para perdoar a desigualdade social Brasileira


Permitam leitores deste Blog, mencionar a seguinte reportagem veiculada no site (www.uai.com.br) no dia 19/03/2010 com o título “Cidades brasileiras são apontadas como umas das mais desiguais do mundo”.
Esta reportagem aborda um estudo realizado pela ONU (Organização das Nações Unidas) relatando que as seguintes cidades brasileiras: Goiânia, Fortaleza e Belo Horizonte (a foto acima é da Barragem Santa Lúcia em BH), figuram entre as cidades com maior desigualdade de renda do mundo. Estas capitais brasileiras só ficam atrás das cidades sul–africanas, e de Lagos na Nigéria.
De acordo com a ONU, as três cidades brasileiras apresentam um índice de GINI (que mede a desigualdade) igual ou superior a 0,61 em uma escala de zero a 1,00, em que os números mais altos mostram maior desigualdade de renda. Cidades sul-africanas pesquisadas apresentam índices entre 0,67 e 0,75; já a cidade de Lagos tem um índice de 0,64.
Porque trago esta reportagem num Blog que trata de Justiça e Perdão? Não será que tantos problemas que enfrentamos hoje na nossa sociedade como aumento da criminalidade, desemprego, falta de leitos em hospitais públicos não são reflexos da enorme desigualdade de renda no nosso País?
A Justiça é o elemento principal do nosso ordenamento jurídico, assim buscamos desde os primórdios da história da humanidade através do Direito a busca da Justiça. Não podemos deixar que o Direito perca a essência do bem comum ou caia num mero procedimento técnico a mando do poder político e econômico. Toda lei emanada pelo seu povo deve ter a noção de Justiça, assim a Justiça não é uma força metafísica ou vem de uma lei Divina, mas dos próprios homens. Podemos mencionar a teoria rousseauniana, como um dos expoentes do estudo sobre a origem da desigualdade entre os homens. Rousseau critica os desvios, desmandos do poder político, o desgoverno das leis. Rousseau, em seu contrato social, quer re-fundar os ditames do convívio social, ou seja, mantém a ordem do Estado, renuncia ao caos implantados, privilegia a liberdade e enaltece os fins sociais. Esta filosofia de Rousseau foi um dos fundamentos do contratualismo, sendo base filosófica para a Revolução Francesa.
Desta forma só nos resta perdoar a nossa sociedade que deixou o nosso país figurando como um dos maiores índices de desigualdade do mundo, gerando a partir daí diversos males que presenciamos diariamente em noticiários. A Justiça só se realiza se pensada com igualdade, daí que o nosso Direito deve ser o veículo condutor para a realização da justiça

domingo, 25 de abril de 2010

Abril despedaçado, justiça e perdão

A novela “Abril despedaçado”, do escritor albanês Ismail kandaré, foi publicada pela primeira vez em 1978. Ambientada nas montanhas da Albânia, consiste em uma narrativa fragmentária, que ora se foca na viagem de lua de mel do intelectual Bessian com sua jovem esposa Diana, e ora se ocupa das angústias de Gjorg, jovem na casa dos 20 anos que se vê obrigado a participar de uma espiral de vingança sanguinária prevista no “kanun”, o código de direito consuetudinário vigente no interior da Albânia até as vésperas da Segunda Guerra Mundial.

Uma das normas mais atrozes do “kanun” não apenas autorizava, mas praticamente impunha à família de alguém assassinado o direito/dever de também matar o algoz de seu familiar. Era a chamada “dívida de sangue”, que Gjorg, o personagem principal, é obrigado a cobrar. Trata-se, portanto, de um “instituto jurídico?” semelhante à mundialmente famosa “vendeta”, comum na ilha de Córsega.

Contudo,não bastava ao familiar do morto simplesmente tirar a vida daquele que matara um membro de sua família. Era necessário pagar o “tributo do sangue”, assim como hodiernamente os recorrentes devem pagar o preparo. O tributo de sangue era, portanto, uma espécie de condição de procedibilidade. A satisfação do direito/dever de matar estava subordinada ao pagamento de um imposto ao senhor feudal. Nesse ponto kandaré é brilhante ao demonstrar como a tradição da vingança se revestia de relevante importância econômica, contribuindo sobremaneira com o crescimento das fortunas da classe credora dos tributos. Aqui reside também o mais importante paralelo a ser traçado entre o Kanun e o direito pátrio.

Com efeito, é demasiado importante que os operadores do direito questionem a todo o momento quem são aqueles que se beneficiam com uma legislação penal intolerante e, sobretudo, contra quem recai essa intolerância. A título de exemplo, pensemos na situação de um indivíduo indiciado por descaminho, e cujos tributos devidos ao Estado não ultrapassem R$ 10.000 (dez mil reais). O que acontecerá com ele? Nada, pois nossos tribunais entendem que, pelo fato da Procuradoria da Fazenda Nacional não se ocupar com dívidas inferiores à quantia mencionada alhures, tal conduta não se reveste de tipicidade material. Cientes disso, é de praxe entre os membros do parquet requererem o arquivamento de inquéritos nesses termos. Em outros termos: perdoamos todos aqueles que se furtam, dolosamente, ao pagamento de impostos - devidos não ao Estado brasileiro, mas aos quase duzentos milhões de cidadãos brasileiros – desde que essa dívida não ultrapasse a quantia de R$ 10.000.

Por outro lado, em apenas um semestre de estágio no Ministério Público de Minas Gerais, já vi dezenas de sentenças condenando à prisão, por vezes até no regime semi-aberto, pessoas acusadas de furtarem quantias ínfimas, às vezes inferiores a cinqüenta reais. Já tive contato com um caso em que o juiz condenou o réu a uma pena de dois anos de reclusão pelo furto de uma peça de picanha, pertencente a uma grande rede de supermercados. Ou seja, ao indivíduo que deixa de pagar R$ 10.000 aos cofres públicos, o perdão, ao ladrão de picanha, a prisão!

Com todo o exposto, quero apenas deixar algumas indagações aos leitores do blog: será que estamos tão distantes do “kanun”, ou será que, nós também - herdeiros de mais de 2.500 anos de racionalidade ocidental – também não sabemos perdoar? Nosso direito, sob um ponto de vista humanístico, é desprovido de atrocidades, ou apenas não conseguimos enxergá-las, da mesma forma que o camponês do interior da Albânia, durante séculos, não percebeu a barbárie que era a divida de sangue? E, principalmente, quem mais se beneficia com o (não) perdão, nas poucas hipóteses em que nossa legislação o concede?

sábado, 24 de abril de 2010

As vantagens da delação premiada

A lei 9807/99 em seus artigos 13 e 14 possibilitam aos réu-colaboradores identificarem de forma voluntária os co-autores ou partícipes de ação criminosa, bem como localizar a vítima, com sua integridade física preservada e recuperar total ou parcialmente o produto do crime.Tal ação tem como benefício a redução da pena ou mesmo a extinção da punibilidade. Esse instituto é denominado delação premiada.

Os diversos comentários existentes a respeito dessa matéria partem do pressuposto de que ferem a ética de uma sociedade usar a traição como meio de alcançar a justiça. Entretanto, no universo criminoso não se pode falar em ética ou mesmo em valores moralmente elevados, dada à prática de condutas que rompem com as normas vigentes, ferindo bens jurídicos protegidos pelo Estado. Pois aquele que denuncia está desmantelando toda uma ação criminosa agindo em favor do Estado e contra o delito.

No que diz respeito à diminuição de pena, não lesa o princípio da proporcionalidade, visto que a pena é aplicada de acordo com a culpabilidade do sujeito. Aquele que apresenta um maior desvalor da ação acarretará em uma pena maior, nesse caso aquele que contribuiu com o Estado, a culpabilidade é menor, tendo como conseqüência uma pena menor. Além do mais, a delação pode servir de incentivo ao arrependimento sincero, levando o indivíduo à regeneração interior, o que seria um dos fundamentos da própria aplicação da pena.

Ao trazer este instituto ao Direito Brasileiro foi levada em conta que a nossa legislação necessita de reforma por haver várias lacunas e sendo um país com um alto índice de corrupção, em termos investigativos a delação premiada pode ser eventualmente útil. O que deveria ser observado pelos magistrados é a sua utilização de forma esporádica, o que a tornaria banal, deixando os verdadeiros investigadores acomodados a essa prática.

O espírito da lei é pelo acordo decorrente da colaboração e não somente da conecessão gratuita do benefício, pois há a necessidade de que além da colaboração o réu se adeque às condições objetivas do caput da lei supra. Além disso é facultado ao juiz, pois a lei diz: "Poderá o juiz"... Neste sentido a justiça deve decidir se a colaboração foi eficiente ou não, como um todo, daí decorreira ou não o benefício.

Portanto o intuito da lei seria o uso da delação em casos excepcionais, nos quais o crime esteja trazendo malefícios para a conjuntura social e depois de esgotado todas a outras possibilidades de investigação, havendo assim um critério técnico e bem fundado. A conseqüência é o conhecimento de fatos pela justiça que demandariam mais tempo mediante o esgotamento das vias comuns de investigação e concededo-se algo em troca em termos de abrandamento ou até extinção da punibilidade.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

A Psicologia e sua contribuição às instituições jurídicas

Já faz certo tempo que a Psicologia é chamada a intervir na cena jurídica para auxiliar naquilo que adentra o campo da subjetividade, pois sabe-se que muitas das vezes a demanda processual, ao envolver questões de ordem afetiva, de vingança, dentre outros pedidos subliminares, ultrapassa o Direito. Considerando-se a objetividade que a este último é proposta, não lhe é possível atingir o interior do indivíduo em sua plenitude, função esta que é então delegada aos especialistas da Psicologia. Desta forma, na tentativa de obter certa garantia nas decisões judiciais, os operadores do Direito solicitam aos psicólogos laudos periciais, principalmente ao tratarem de questões da vara de família e daquelas atreladas à área criminal.
A partir disso, surgem as seguintes indagações: até que ponto deve-se relegar à Psicologia a importante missão de dizer com quem deve ficar a guarda do filho e se ele deve receber a visita do genitor que não a possui, se um casal está apto a adotar uma criança, se o agente de um delito tinha consciência de seus atos no momento em que o praticou, se é portador de periculosidade, se certa pessoa é capaz de gerir por si própria seus bens ou se precisa de um curador, enfim, estabelecer o que é certo ou errado, o que é o justo e o injusto no caso concreto? Agindo dessa forma, o Direito estaria a se desresponsabilizar pela decisão a ser tomada e a transmitir à Psicologia a tarefa de proporcionar a justiça?
Ao palestrar sobre “A Psicanálise e a deterrminação dos fatos nos processos jurídicos”, em um seminário de juristas, Freud afirma que “A Psicanálise não tem como oferecer aos processos jurídicos elementos para o Direito se servir em suas decisões sobre a culpa e o castigo, ou seja, o veredicto do tribunal não deve se apoiar nas investigações da Psicanálise” (FREUD, 1906, pp. 105-115). Lacan dá força à teoria freudiana ao afimar que “A Psicanálise tem limites que são exatamente aqueles em que começa a ação policial, em cujo campo ela deve se recusar a entrar” (LACAN, 2003, pp. 129-130).
A partir desse prisma, métodos inovadores, como o desenvolvido pelo Programa de Atenção à Família, sediado na Central de Conciliação de Belo Horizonte, devem ganhar mais espaço em nossa sociedade. Nesse projeto, do qual participam juízes e psicólogos, o acompanhamento de ações de separação judicial, alimentos, guarda, regulamentação de visitas, dentre outras, é feito de modo a dispensar a elaboração de laudos psicológicos. Ao invés destes, o Programa busca agir de forma imediata nos conflitos familiares, visando restabelecer a comunicação entre as partes e incentivando-as à composição de acordo. Desta forma, o Programa de Atenção à Família oferece aos envolvidos a oportunidade de resgatarem a autonomia para solucionarem seus próprios conflitos.
Uma das maiores dificuldades encontradas pelo Programa de Atenção à Família é a disseminação de uma cultura de pacificação no âmbito judicial, ao contrário da de litígio, que foi até então dominante. Isto demonstra que persiste em nossas mentes, muitas vezes de forma embutida, uma certa aversão ao ato de perdoar, de reconciliar, nos sendo preferível o conflito litigioso, mesmo que este seja mais doloroso. É como se recorrêssemos ao judiciário para que este atue como um intimidador da conduta do outro que nos aflige e para ameaçar a parte “adversária” acerca das consequências do não cumprimento ao que a lei determina, e não para discutirmos e resolvermos a questão que nos atormenta.
Nos resta concluir que se o foco da Psicologia fosse deslocado da questão da elaboração de laudos pericias, os quais reduzem o sujeito observado a um objeto, e houvesse mais ênfase na busca de soluções imediatas para os conflitos, tomando como exemplo o Programa de Atenção à Família (que se baseia na reconciliação entre as partes), a contribuição da Psicologia ao Direito alcançaria proporções bem maiores, além de estar atuando para um mundo mais pacífico e consequentemente mais justo.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Lei e Meio Ambiente


A Constituição Federal, em seu artigo 225 assegura que

“todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

Pelo que se entende do texto constitucional, a proteção ao meio ambiente equilibrado é considerado direito fundamental, sendo que a realização do mesmo é uma diretriz, uma responsabilidade do Poder Público que deve implementá-la através da adoção de Políticas Públicas Estatais, no caso ambientais.

No âmbito do planejamento estatal, devem ser atendidas as necessidades da sociedade, é obrigação do estado concretizar as decisões tomadas pelo legislador. Os objetivos de igualdade e justiça social no Brasil devem ser observados, pois são a base da Ordem Social Constitucional.

No que se refere ao Direito Ambiental, percebe-se ser suficiente legislação ordinária e capítulo constitucional para a proteção do ambiente e salvaguarda da sadia qualidade de vida.
O Direito Ambiental, segundo José Rubens Morato Leite:

“[...] se ocupa da natureza e futura gerações nas sociedades de risco, admitindo que a projeção dos riscos é capaz de afetar desde hoje o desenvolvimento do futuro, que importa afetar, portanto, as garantias do próprio desenvolvimento da vida”

Em questões ambientais, é dever do Poder Público a prevenção do dano. No entanto, a implementação das políticas públicas para proteção ao meio ambiente são deficientes, uma vez que os órgãos estatais estão insuficientemente equipados para sua implementação ou diante das dificuldades da realidade político-administrativa , muitas vezes tornam-se tolerantes, displicentes, para não ferir interesses de industriais, construtoras, imobiliárias, estabelecimentos comerciais, enfim, grupos poderosos com atividades econômicas que costumam provocar impactos negativos significativos ao meio ambiente.

Diante da falta de interesse vindo do poder público é que a sociedade deveria entrar em ação para reclamar a proteção de um direito que lhes é fundamental. Um dos aspectos mais importantes da participação da sociedade na proteção do meio ambiente é o controle da Administração Pública, por intermédio do Poder Judiciário exercido diretamente, quando o cidadão ingressa com a Ação Popular ou através do Ministério Público, o qual representa institucionalmente os interesses da sociedade, quando constatada a ineficiente implementação de políticas públicas para garantir a saúde ambiental e da população, socorrendo-se, nesta hipótese, ao Poder Judiciário para garantir o exercício efetivo desse direito.

Na prática, no entanto, não se vê a ação da sociedade para fiscalizar e cobrar a efetividade das ações públicas. O que se tem é a inércia da população como um todo, que não se manifesta diante da falta de ações estatais. O silêncio da sociedade perdoa a falta de interesse do estado, e quem sofrerá com isso serão as gerações futuras, que terão de lidar com problemas ambientais muito mais graves. A Constituição nos dá meios para proteger o meio ambiente, mas enquanto a sociedade continuar a ignorar os crimes ambientais, a compra de fiscais, corrupção e descaso com o meio ambiente, ela estará com sua omissão, perdoando as agressões que são feitas constantemente à natureza, e promovendo a injustiça, pois não deixará para as futuras gerações um meio ambiente saudável, direito esse, garantido pela Constituição.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

A aplicação do princípio da insignificância nos casos de furto famélico: Questão de justiça ou de perdão?

O Direito Penal no Brasil é caracterizado pela intervenção minima. Ele tem um caráter subsidiário, sendo a morfina do direito, a última solução, a sanção mais forte do direito, e um caráter fragmentar, pois visa a tutela dos bens jurídicos fundamentais para a vida em sociedade. O principio da insignificância é um dos princípios que norteiam o Direito penal. Enquanto meio de interpretação restritiva, visa excluir a tipicidade material das condutas, pois a lesão causada é ínfima e não afeta relevante-mente o bem jurídico tutelado, ou seja, apesar de subsumir-se perfeitamente o fato à norma, tal acontecimento é tão irrisório que os rigores penais são dispensáveis.

Inicialmente é importante definirmos o princípio da insignificância, que surgiu na Alemanha, na doutrina de Klaus Roxin, e que rapidamente foi aderido ao direito brasileiro, com aceitação majoritária da doutrina e jurisprudência. Como a definição do princípio é pacifica, utilizaremos o conceito encontrado nos artigos publicados nos sites “Jus Navigandi” e “Web Artigos” respectivamente. Confira-se:

(...)

Tal é o princípio da insignificância ou bagatela, segundo o qual para que uma conduta seja considerada criminosa, pelo menos em um primeiro momento, é preciso que se faça, além do juízo de tipicidade formal (a adequação do fato ao tipo descrito em lei), também o juízo de tipicidade material, isto é, a verificação da ocorrência do pressuposto básico da incidência da lei penal, ou seja, a lesão significativa a bens jurídicos relevantes da sociedade. Caso a conduta, apesar de formalmente típica, venha a lesar de modo desprezível o bem jurídico protegido, não há que se falar em tipicidade material, o que transforma o comportamento em atípico, ou seja, indiferente ao Direito Penal e incapaz de gerar condenação ou mesmo de dar início à persecução penal.

(...)

Fonte: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5000

(...)

O princípio da insignificância repousa no princípio maior de que é inconcebível um delito sem ofensa: nullum crimen sine iniuria. Ele pressupõe o princípio da "utilidade penal", onde só é idôneo punir quando a conduta for efetivamente lesiva a terceiros.

(...)

Fonte:
http://www.webartigos .com/articles/5912/1/A-Aplicabilidade-Do-Principio-Da-Insignificancia/pagina1.html


Portanto, destaca-se que apesar da incidência da tipicidade formal, a tipicidade material é excluível devida a insignificância da lesão que atingiu o bem jurídico tutelado.

Todavia, há divergências na aplicação desse princípio, pois estabelecer a insignificância nos casos concretos envolve um alto grau de subjetividade. Por exemplo, se o empresário Bil Gates fosse vitima de furto de R$10.000.00 reais, isso seria insignificante perto da fortuna que ele ostenta, o que não ocorreria se a vitima fosse um mero estagiário estudante de direito.

Curiosamente, na Espanha, as pessoas que cometem furto, inferiores a quantia de 400 euros, não são punidas, mesmo nos casos de reincidência. A justificativa é o principio da insignificância. O que jamais se aplicaria no Brasil, 400 euros equivalem a mais de R$1000.00 reais, uma quantia bastante significativa para nossos padrões.

O clássico exemplo do furto de uma maçã em um supermercado, em que a incidência da pena, e mesmo do processo, no caso, mostra se desnecessário, devido a desproporcionalidade entre a conduta e a sanção, será o norteador dessa reflexão, que tem como objeto a aplicação e justificação do princípio da insignificância nos casos que envolvem as vitimas da injustiça social e o Estado, na posição de garantidor da igualdade de condições na sociedade . O miserável que furta uma maça, por não ter condições minimas de subsistência, e é pego em flagrante, claramente não deverá ser punido. Este é o chamado furto famélico. Mas isso se dará por uma questão de justiça, pois todo ser humano deve ter condições minimas de sobrevivência, ou por uma questão de perdão, pois uma maça a mais ou uma maça a menos não fará diferença para o dono do supermercado? Mas e se todos os miseráveis da cidade resolvessem furtar uma maça, uma laranja ou um pacote de arroz desse supermercado, eles deveriam ser perdoados, sob a justificação de viverem uma injustiça social? Seria o dono do supermercado o responsável por pagar pela insuficiência do Estado e do sistema em dar condições minímas de sobrevivência para todos os cidadãos?

Ou seja, se o Estado deixar de punir o miserável que, em estado de necessidade, furtou a maça, ele não estará perdoando o miserável, mas sim a si mesmo, por não conseguir manter a justiça social, pois em nosso território impera a desigualdade de condições.

Dessa forma, conclui-se que o princípio da insignificância é aplicado, atualmente, nos casos de furto famélico, sob a justificação de que é injusto as pessoas passarem fome e, se, alguém praticar o crime de furto, sob esse pretexto, deverá ser perdoado. Enquanto ao dono do supermercado, apesar de não ser o responsável pelas deficiências estatais, ele deverá arcar com o ônus da perca da maça, devido a sua relação de hipossuficiência com o miserável e pelo valor insignificante da maça se comparado ao patrimônio total do empresario.

Entretanto, o que se vê na prática, é que o Estado tem usado o princípio da insignificância nos casos de furto famélico para compensar a enorme injustiça social presente no seu território, para tentar amenizar as críticas sobre si e para conseguir o perdão dos cidadãos pela sua incapacidade de garantir a igualdade.

Ao menos os Tribunais tem exigido que se comprove o estado de necessidade, mas ressalta-se, esse estado de necessidade quando comprovado, é reflexo da má atuação estatal. Em recente decisão, o TJMG tratou da questão da exigência de comprovação do estado de necessidade. Confira-se:

Número do processo:
1.0042.04.006025-5/001(1)
Númeração Única:
0060255-19.2004.8.13.0042
Acórdão Indexado!
Precisão: 13

Relator:
PEDRO VERGARA
Data do Julgamento:
17/04/2007
Data da Publicação:
12/05/2007
Ementa:
FURTO - CONDENAÇÃO - IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA - ABSOLVIÇÃO - ESTADO DE NECESSIDADE - NÃO-CONFIGURAÇÃO - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - FALTA DE PREVISÃO LEGAL - REINCIDÊNCIA NÃO CARACTERIZADA - SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS - POSSIBILIDADE RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. Não se conhece a excludente de ilicitude do estado de necessidade se a defesa não faz prova do estado de penúria do agente, não preenchendo este os requisitos exigidos. Não cabe ao Poder Judiciário a aplicação do princípio da insignificância, porquanto constitui função do Poder Legislativo selecionar os critérios da tutela penal dos bens jurídicos. Inexistindo sentença condenatória com trânsito em julgado anterior ao fato em apreço, haverá de ser afastada a incidência da agravante da reincidência. Faz jus ao benefício da substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos, se o agente preenche os requisitos previstos no artigo 44 do Código Penal.
Súmula:
DERAM PROVIMENTO PARCIAL.


Fazendo um paralelo com a teoria Aristoteliana, que liga a justiça a dois conceitos bem próximos, a igualdade e a lei, e estabelece três formas de injustiça, podemos detectar diversas situações de (in)justiça nos casos que envolvem a pessoa em estado de penúria, pois esta encontra-se no extremo da carência, da falta de condições de subsistência, sofrendo uma injustiça. Ao passo que a aplicação do princípio da insignificância está de acordo com o nosso ordenamento jurídico, ou seja, de acordo com a lei, sendo justa a sua aplicação. Mas essas relações só são possíveis se ignorarmos que a principal função do Estado, inclusive estabelecida em lei, é garantir a igualdade de condições entre os cidadãos, a qual ele não consegue cumprir. E como ele não consegue cumprir, ele acaba sendo injusto por manter alguns cidadãos no extremo (vicio) do excesso e vários deles no extremo (vicio) da carência e ao mesmo tempo ele é injusto por não cumprir a lei, que determina a igualdade, e a garantia de que todos cidadãos tenham condições minimas de sobrevivência digna. Ou seja, o estado realiza a proeza de praticar as três formas de injustiças, previstas na teoria Aristoteliana, simultaneamente. Com certeza Aristóteles jamais perdoaria um Estado como esse. O teórico deve estar se revirando no tumulo!

terça-feira, 20 de abril de 2010

Direito dos animais

"Avalia-se o grau de civilidade de um povo pela forma como trata seus animais e seu meio"- Humboldt

“A Declaração Universal dos Direitos do Animal foi proclamada na UNESCO em 15 de Outubro de 1978: Preâmbulo: Considerando que todo o animal possui direitos; Considerando que o desconhecimento e o desprezo destes direitos têm levado e continuam a levar o homem a cometer crimes contra os animais e contra a natureza; Considerando que o reconhecimento pela espécie humana do direito à existência das outras espécies animais constitui o fundamento da coexistência das outras espécies no mundo; Considerando que os genocídios são perpetrados pelo homem e há o perigo de continuar a perpetrar outros; Considerando que o respeito dos homens pelos animais está ligado ao respeito dos homens pelo seu semelhante; Considerando que a educação deve ensinar desde a infância a observar, a compreender, e a respeitar os animais.”


Os diversos crimes cometidos contra animais e contra a natureza já alcançaram conseqüências mundiais e, mesmo assim, apesar de se ouvir falar sempre sobre a barbaridade que é a rinha de cachorros e galos que só termina com a morte do animal, a brutalidade do “mais novo esporte canadense” que é a caça e matança desenfreada de bebes foca utilizando uma espécie de bastão de baseball com pontas de ferro ao seu redor, o quanto a poluição e desmatamento afetam o ambiente a ponto de modificar o seu “rumo natural”, a maioria da população ainda age como se os resultados de tais ações não lhes afetassem, ou então como se não fossem crimes, afinal “são só animais”.
Quando imaginaríamos que haveria gripe do frango, gripe do porco, doença da vaca louca, ou então teríamos catástrofes naturais praticamente em cadeia. Afinal de contas, nos últimos tempos nunca houve tantas vitimas em tão pouco tempo. Em apenas 04 meses já assistimos a tempestades de neve nos Estados Unidos e chuvas torrenciais no Brasil e no Peru, terremotos no Haiti, Chile e China, ultimamente, até um vulcão que era considerado adormecido na Islândia ameaça entrar em erupção.
Diante da crueldade com os animais e do descaso completo com o meio ambiente, estamos tendo a resposta da natureza. Não que eu acredite no fim do mundo, ou na revolta dos animais e muito menos em uma guerra da natureza contra os homens com retrata o filme “O Fim dos Tempos”, mas acredito sim em resultados e na 3ª Lei de Newton, ação e reação.
Será então que é justo falar em proteção dos animais quando simplesmente incentivamos a adoção de cães e não nos preocupamos com o desmatamento desenfreado para as grandes construções simplesmente pelo fato que para cada árvore virgem cortada, planta-se um pé de eucalipto, que acaba virando carvão nos grandes fornos, também.
Ficamos revoltados quando vemos alguém lavando a calçada com água (muitas vezes obedecendo a ordens, outras vezes por ignorância), mas aceitamos o fato de que em favor da evolução tecnológica, as fábricas podem despejar dejetos químicos em rios, destruindo cardumes inteiros de peixes. Chegamos ao ponto de o Japão ser obrigado a repensar sobre o uso do salmão, peixe utilizado em sua culinária clássica e parte importante de sua cultura.
Acredito que justiça e perdão não é um questionamento nem uma relação que deve ser feita apenas dentro do estudo e análise do Direito, se restringir ao campo jurídico. Devemos trazer esse paralelo para nossas atitudes diárias, refletir se agindo assim, ou simplesmente perdoando determinadas infrações, pequenos delitos, estamos sendo justos ou omissos. Afinal animais têm seu rol de direitos instituídos também.
Claro, não estou aqui pregando para ninguém começar a colocar seu cachorro para dormir na sua cama e ir se deitar no chão, estou apenas refletindo acerca do fato que aceitamos destruições naturais, massacres da fauna e flora, em prol de exorbitantes projetos arquitetônicos, destruições naturais essas que sabemos ilegais, que sabemos que no final, a multa administrativa aplicada e muito mais “vantajosa” para as empresas do que abandonarem o projeto. Assim, somos justos e perdoamos tal infração visando um suposto bem maior e crescimento, ou estamos apenas nos omitindo, sendo covardes, em favor de um conforto e conformismo?

segunda-feira, 19 de abril de 2010

A Força do Perdão Próprio

Perdoar... Muito se diz sobre essa palavra. Segundo o dicionário, perdoar é conceder perdão a; absolver de culpa ou dívida, desculpar, poupar. A palavra é, na maioria das vezes, utilizada em relação ao próximo, mediante seus erros e injustiças. Mas será mesmo que o perdão está condicionado ao outro e suas ações? Ou o perdão é uma maneira de pouparmos a nós mesmos por termos feito escolhas erradas, termos acreditado no que não devíamos, por elegermos governantes corruptos, por ficarmos inertes à violência e por, verdadeiramente, não agirmos em prol do outro, nos fechando cada vez mais em nosso mundo individual, restrito e “seguro”? A pergunta que se faz é que será que o perdão é preciso para absolver de culpa àqueles que roubam, matam, mentem ou a nós, que deixamos que estes façam, a todo tempo, ações vergonhosas e prejudiciais aos seus amigos, visinhos ou simplesmente companheiros de uma jornada e etapa da vida em um momento da história?


Raras são as ações exclusivas dos homens, entretanto, esses pouquíssimos sentimentos que os movem é que os tornam superiores aos demais seres vivos. Dentre os maiores atos dos seres humanos está a capacidade de amar, que também segundo o dicionário significa: querer muito bem a; gostar muito de; ter afeto a. E é a partir desse amor que surgem outras virtudes essenciais a esse primeiro e, é certo de que o perdão é uma consolidação dessa capacidade.


Perdoa-se não aquilo que nos faz sempre bem, que nos dá orgulho ou que nos é necessário e ao mesmo tempo não está em nós. O que se perdoa está dentro de cada indivíduo, mas não transborda, pois amando, se tem o equilíbrio e a vontade de seguir o caminho do bem. Perdoar é não apenas desculpar aquilo de errado no outro, mas principal e primordialmente deixar a nós mesmos livres do peso de não sermos totalmente capazes de movermos no próximo o amor que temos.


Os homens são individuais e cada um, sente a sua maneira, muito especificamente, tudo o que o rodeia. É preciso ter a consciência de que nossas ações geram sempre conseqüências e, interferem de alguma forma em todos os quais convivemos. A justiça se esbarra nessa possibilidade dos homens conseguirem praticar o equilíbrio e não prejudicarem o outro.


O perdão é um ato belo, essencial para a construção de um mundo mais justo. Através do perdão se é capaz de ver o que realmente não compensa, de perceber, qual o caminho que não se deve seguir em nenhum momento da vida. Os homens precisam dos homens. Não somos sozinhos neste mundo, apesar de muitos, acreditarem, quererem ou por infortúnio viverem assim. Apesar de sermos únicos, e sermos sim, capazes de alcançar a felicidade através de nosso próprio caminhar, para nos sentirmos completos é importante possuirmos um pouco do outro, termos um pouco do próximo e sermos um pouco do diferente, daquilo que não faz parte de nós.


Perdoar é ter a força de mesmo machucado, conseguir alimentar o amor no coração e não o rancor que destrói os sentimentos e as virtudes que movimentam o mundo para melhor, não deixando que o mal gere outro mal e, fazendo com que o bem prevaleça na sua mais plena forma.

domingo, 18 de abril de 2010

Perdão Judicial x Perdão Humano

Presente em muitos artigos do nosso código Penal e em varias leis, o perdão judicial é uma forma de se evitar a punição para uma pessoa que comete o crime, que por si só será uma punição para ela.

O "perdão Humano" é algo muito mais complexo, passa por entendimentos que são personalíssimos, ao meu modo de ver, ele ocorre quando a pessoa realmente se desliga do fato, o esquece, o torna indiferente para a sua vida.

Até que ponto essas duas formas de perdão podem se comunicar? Um pai que esquece seu filho no carro, causa a morte deste, ganha o perdão judicial, mais conseguirá ele um dia se perdoar? A idéia de não aplicar penas nesses casos já nos dá uma dica de quais são as respostas para essas perguntas. Não, essa pessoa não conseguirá se perdoar, a punição é excluída exatamente por isso, para não se punir a pessoa duas vezes pelo mesmo crime, pois o pai do caso acima já está sendo punido por ter cometido tamanho erro, em alguns casos, e não são poucos, as pessoas chegam a desejar a sua própria condenação (o que obviamente não ocorre) em ato de desespero, tentando encontrar na sanção penal uma forma de se punir. Em casos assim, o perdão humano é algo que dificilmente ela alcançara, devido ao não desligamento completo da pessoa com o fato.

Vejamos um caso concreto que ocorreu em abril de 2006. Um bebê de 1 ano e 3 meses morreu com queimaduras de primeiro e segundo graus pelo corpo, após ter ficado sete horas dentro do carro. Segundo a polícia, ele foi esquecido pelo pai em um estacionamento em São Paulo.

Na época, o pai de 35 anos disse em depoimento que havia esquecido de deixar o filho na creche, a esposa que levava o menino para a creche todos os dias, ele iria levar apenas aquela semana, por não ser algo de sua rotina ele acabou indo direto para o trabalho, estacionou e esqueceu a criança. Só retornou ao final do expediente.

O menino foi levado ao hospital, mais chegou sem vida. As queimaduras foram provocadas pelo sol. O pai foi indiciado por homicídio culposo. (jornal O Globo)

O que seria justo de acontecer em casos assim? Como fica a mãe ao ver seu filho morrer por um ato de descuido? Pode essa pessoa realmente dar o perdão para seu marido?

Essas são questões de diversas respostas, vai depender do seu conceito de perdão humano, do conceito de justiça, entre outros.

sábado, 17 de abril de 2010

Perdão Judicial em casos de Infrações de Trânsito

O Trânsito Brasileiro é regulamentado pela Lei 9.503/1997, que visa regulamentar o complexo sistema, envolvendo via, veículo e condutor. Em seu artigo 6º relata os objetivos básicos do Sistema Nacional de Trânsito, estabelecendo mediadas para a segurança, fluidez, conforto, defesa ambiental, educação e fiscalização para o cumprimento de tais medidas.

No capítulo XIX, da lei acima citada, estão previstos os crimes de trânsito, relatados nos art. 291 à 312.

Com a implementação da lei 11.705/2008 ( Lei Seca ) o art. 306 do CTB sofreu alteração em sua redação, que dizia: “Conduzir veiculo automotor , nas vias públicas sobre a influência de álcool ou substância de efeitos análogos , expondo a dano potencial a incolumidade de outrem, seria penalizado com detenção de 6 meses a 3 anos, multa e suspensão ou proibição obter a permissão ou habilitação para dirigir veículo automotor”.

Hoje com a alteração do referido artigo, sua redação passou a ser a seguinte : “ Conduzir veículo automotor em via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a seis decigramas, ou sobre a influência de qualquer substância psicoativa que determine dependência é crime. Sendo assim será preciso comprovar a materialidade do crime com o uso do bafômetro. A Lei Seca também alterou os artigos165, 276, 277 e 306 do CTB.

Mesmo com a criação do Código de Trânsito Brasileiro e com as devidas alterações sofridas por ele ao longo de seus mais de 12 anos de existências, o maior número de óbitos ocorridos no Brasil ainda decorrem de acidentes no trânsito. Os casos de embriaguez ao volante, o uso de substâncias ilícitas, a alta velocidade, são os fatores que causam o maior números de acidente.

Os crimes de trânsito quanto a sua espécie podem ser considerados como homicídio culposos ou lesão corporal culposa, mais hoje ainda existe uma discussão se no caso de embriaguez seria considerado homicídio doloso, segundo Juarez Tavares:

“a conhecida hipótese de embriaguez ao volante, associada à velocidade excessiva, à qual a jurisprudência brasileira tem assinalado, sem outras condições, as características do dolo eventual. Neste caso, para configurar-se o dolo eventual não basta, exclusivamente, a constatação de embriaguez e da velocidade. Será preciso demonstrar que as condições concretas do evento eram, igualmente, desfavoráveis ao agente, de modo que este não pudesse objetivamente invocar a expectativa de que o resultado não ocorreria ou poderia ser evitado”

Segundo o Código Penal em seu artigo 107 inciso IX “pode-se extingui a punibilidade pelo perdão judicial nos casos previstos em lei. O art. 121 § 5º diz que na hipótese de de homicido culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária. E no art. 129 § 8º nos crimes de lesão culposa aplica-se o dispositivo do art. 121§ 5º.

Portanto pode ser concedido perdão judicial nos casos que atingem exclusivamente conjugue, companheiro, ascendente, descendente, irmão ou afim em linha reta do condutor do veiculo. Em acidentes de trânsito muitas pessoas acabem perdendo seus entes queridos tornando a pena criminal desnecessária e inútil, pois a consequência do acidente atinge o individuo de forma tão grave que a sanção penal se tornará dispensável.

O perdão judicial neste casos seria uma fora de abrandar o sofrimento, uma vez que, o individuo nunca mais esquecerá o ocorrido e se culpará pelo resto de vida.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Impunidade ou Perdão?

"Depois de inventarem o perdão, os ímpios não tiveram mais vergonha na cara. Mas antes de o inventarem, os humildes não podiam se arrepender." (autor desconhecido)


Os crimes contra a ordem tributária, tipificados na lei 8.137/90, geralmente são praticados por pessoas com maior poder aquisitivo. Por não ferirem nenhum bem jurídico essencial (como a vida, dignidade da pessoa humana, etc.), são considerados crimes de menor impacto na sociedade. E assim, por se tratarem de crimes “não impactantes”, era previsto desde 95 na lei 9.249, que as pessoas que o cometessem, poderiam ter excluída sua punibilidade ao pagarem o valor devido antes da denúncia.

O que parecia ser uma norma coerente, uma vez que o criminoso, ao se redimir do crime antes de ser descoberto, se afastaria da acusação. Seria uma espécie de perdão judicial pelo arrependimento do acusado, ou seja, a exclusão seria conseqüência da desistência do infrator, que antes de denunciado consertou o erro.

Em 2003, foi decretada a lei 10.684/03, a qual substituiu a norma anterior que versava sobre a exclusão de punibilidade, do ano de 1995. Essa nova norma prevê que tal exclusão poderia ocorrer com o pagamento da dívida a qualquer momento, até o trânsito e julgado do processo. Com essa alteração, o sentido de perdão que continha a norma de 1995, desapareceu. Isso porque, não se coage mais o infrator a pagar o tributo devido antes de ser descoberto.

O referido procedimento abre um precedente perigoso, pois os acusados usariam desse novo (dispositivo) ordenamento como uma brecha na lei quando fossem apanhados pela justiça. Partindo do fato que a pessoa, ao cometer o crime, o fez somente para ter vantagem financeira ilícita, a mesma somente pagará a divida se for descoberta, o que faz o infrator sempre praticar tal crime, pois sempre terá a oportunidade de se safar.

Não podemos assim, confundir impunidade com perdão. Enquanto a impunidade é a cara da injustiça e consiste na sensação compartilhada entre os membros de uma sociedade no sentido de que a punição de infratores é rara, o perdão consiste em uma medida excepcional que libera ou cancela uma punição de forma justa. E em um país que bate recordes de impunidade como o Brasil, essa nova lei não veio para ajudar a combatê-la.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

O Poder Punitivo do Estado e o perdão




Muito se discute, atualmente, sobre a eficácia do sistema prisional brasileiro. Que ele é precário, todos sabem, pois vemos nos noticiários e notamos as condições subumanas nas quais vivem os presos. Uma pessoa, ao ser tratada por muito tempo como objeto qualquer dentro de uma prisão, poderá se esquecer do convívio em sociedade, pois é notório que as regras de conduta dentro de uma prisão são muito diferentes quando comparadas às da sociedade fora dela. Para evitar que isto aconteça é que o Direito Penal criou alguns institutos para que o preso tenha contato com a sociedade e possa nela ser reinserido, como a remissão penal.


Pensando nas prisões é que muitas pessoas dizem que a justiça é aquela que pune os infratores, que os fazem pagar pelo mal cometido, uma espécie de “olho por olho, dente por dente”. Elas se apóiam no poder punitivo do Estado para se sentirem seguras e amparadas, uma vez que ele é visto como aquele que irá livrar a sociedade de todos os bandidos.


Porém, a partir do momento que a sociedade perdoa o culpado por um crime, a sua reinserção na sociedade se torna muito mais fácil. Como visto acima, não é o fato de a pessoa ser presa por muito tempo, privada do convívio social, que fará com que ela, pelo menos em alguns casos, não cometa mais crimes e se torne capaz de viver na sociedade novamente.


Pensando nisso é que o Direito tenta conciliar justiça e perdão em institutos como o perdão judicial, através do qual a lei possibilita ao juiz deixar de aplicar a pena diante da existência de determinadas circunstâncias expressamente determinadas. Dessa forma, algumas vezes não é necessário recorrer ao poder punitivo do Estado para que a justiça seja feita. Talvez nos casos em que a pessoa é perdoada é que estamos fazendo justiça e possibilitando a sua reinserção na sociedade de forma mais eficaz do que se recorrêssemos ao jus puniendi do Estado.


A partir desse raciocínio, podemos concordar com a afirmação de que:


“Toda sociedade humana que traz em seu bojo a ética no viver e o equilíbrio social entre seus semelhantes, cada vez menos precisará de um Estado forte a lhe determinar regras de conduta” (Dr. Douglas Mondo, fundador do Conselho de Segurança de Jundiaí).

quarta-feira, 14 de abril de 2010

É possível falarmos de justiça e perdão em matéria de Direito?

Muito se fala em justiça e perdão. Este é mais debatido no âmbito religioso e aquela no jurídico, o que não afasta a possibilidade de coexistência, principalmente se pensarmos em termos de sociedade, na qual um mesmo indivíduo pode ter múltiplas reações para uma mesma situação, ora perdoando, ora clamando por justiça, embora muitas vezes com sentido de vingança. Mas o que é perdoar e o que vem a ser justiça? Certamente não temos as respostas, todavia, podemos tecer algumas considerações acerca do assunto.
Nas Escrituras Sagradas, talvez seja o lugar onde podemos encontrar maiores informações sobre o ato de perdoar, que tem, dentre outros, o significado de benevolência diante do pecado do outro, de remir o ato errôneo do outro que nos ofendeu ao desobedecer os mandamentos de Deus. Quanto ao conceito e sentido de justiça, ainda há muitos debates no mundo jurídico, filosófico, sociológico, dentre outras ramos do saber. Parece, salvo melhor entendimento, que o caminho da fé seria o mais viável para saber o que é o perdão. Mas em se tratando de justiça, talvez iremos percorrer várias trilhas para chegar à mesma conclusão de Hans Kelsen, que afirma: “Iniciei este ensaio com a questão: o que é justiça? Agora, ao final, estou absolutamente ciente de não tê-la respondido. Ao meu favor, como desculpa, está o fato de que me encontro nesse sentido em ótima companhia. Seria mais do que presunção fazer meus leitores acreditarem que eu conseguiria aquilo em que fracassaram os maiores pensadores. De fato, não sei e não posso dizer o que seja justiça, a justiça absoluta, esse belo sonho da humanidade.”( Hans Kelsen apud Fernanda Otoni de Barros, no texto Psicanalise Aplicada ao Direito). Mas levando em consideração que “o discurso científico pelo esclarecimento é a radicalização da angústia humana levada ao desespero da racionalidade” (Adorno e Horkheimer apud LEAL, 2009, p. 3) pode ser que tenhamos uma conclusão positiva e diversa da de Kelsen.
Tendo em vista o exposto, faz mister verificar se há alguma relação entre perdão, justiça e Direito. Cremos que sob a ótica juspositivista, à qual nos filiamos, embora com algumas ressalvas, seria dificultoso aceitar um Ordenamento Jurídico entremeado por atos de perdão, assim como ocorre nas Sagradas Escrituras. Com relação à justiça, afirmam que é papel do Direito concretizá-la. Com a devida vênia aos adeptos dessa idéia, não podemos aceitá-la de plano e de forma absoluta, sob pena do Direito se transformar em um “ente” justiceiro, em favor de seus controladores e não da sociedade como um todo. Com efeito, afirma Rosemiro Pereira Leal que “o direito não é um ente que tenha princípios e critérios congênitos, intrínsecos e messiânicos, emergidos por geração espontânea, que vincassem a humanidade, inculcando, de modo apostolar, o justo ou o equitativo como cânone milagroso e instrumental de pacificação da sociedade (...).” (LEAL, 2009, p. 2).
Não foi nossa pretensão, como já dissemos, conceituar perdão ou justiça, mas tão somente colocar, nos limites de nosso conhecimento, alguns questionamentos, de forma a contribuir para o desenvolvimento do assunto, objeto de vários estudos por diversas gerações.

terça-feira, 13 de abril de 2010

PLÁGIO E PERDÃO

"A semelhança e a imitação, a despeito de estranhas à legislação autoral, foram em parte recebidas pela jurisprudência sob a alegação de plágio. Plágio, na melhor definição doutrinária, trata-se do "apoderamento ideal de todos ou de alguns elementos originais contidos na obra de outro autor, apresentando-os como próprios" (Lipszyc). Ora, todas as obras baseadas em temática comum, em fatos históricos, em situações cotidianas, implicam em uma forma de apoderamento, não de uma só, mas de diversas obras alheias, até porque integram o denominado inconsciente coletivo. Apoderamento ideal, por outro lado, significa apropriação de idéia, o que demonstra que o conceito de plágio está vinculado ao de imitação de idéia. Entretanto idéia não goza de proteção, porque inapropriável. Quando se trata apenas do aproveitamento de uma idéia, não há nem ilícito cível nem crime: se a idéia não pode ser objeto de proteção autoral (art. 8º, I), consequentemente, não existe crime em sua apropriação." (TJMG, 1.0024.07.475910-1/001(1). Rel. Saldanha da Fonseca.)

Casos de plágio, cópias e uso do trabalho alheio são incontáveis na história humana. O uso da força de outrem em proveito próprio. A mais valia intelectual é objeto de inúmeras discussões em diversos meios, do cientifico ao humorístico.

A propriedade intelectual é sem sombra de dúvidas um bem a ser protegido pelo ordenamento jurídico. É algo que gera lucro e demanda do produtor certos gastos, seja intelectual seja material. Questões que se geram entorno do assunto são: onde começa a citação ou a parodia e onde começa o plágio? Seria o plágio um crime de mera conduta ou um crime material? Ou ainda, o objeto plagiado deve gerar lucro para o plagiador?

Ao refletir sobre essas questões e sobre a proposta do nosso blog, tecemos aqui algumas considerações as quais convidamos os colegas e pessoas que acessam o blog para nos ajudar a quem sabe obter algumas conclusões.

Muito se comentou nos textos do blog sobre o perdão judicial. Mas e o perdão PESSOAL? Pensamos na hipótese da vítima perdoar o autor do plágio. Isto pode ocorrer por inúmeros motivos. Um deles é a publicidade que foi alcançada pelo segundo e que o primeiro nunca teria vislumbrado. Um ótimo exemplo ocorreu no mundo da música onde, depois de acusar o Coldplay de ter plagiado a sua música “Foreigner suite”, de 1973, na composição de “Viva la vida” de 2008, o cantor Yussuf Islam (ex-Cat Stevens) diz não estar bravo com a banda inglesa.
Se por acaso, o produtor original perdoasse o plagiador, haveria a permanência do ilícito? A simples inclusão do objeto plagiado nos termos do artigo 46, I, a,da lei 9.610 – quais sejam: na imprensa diária ou periódica, de notícia ou de artigo informativo, publicado em diários ou periódicos, com a menção do nome do autor, se assinados, e da publicação de onde foram transcritos – excluiria a tipicidade da conduta?

Deixamos claro que não apoiamos o plágio, a cópia ou qualquer outro meio de engodo intelectual. Queremos apenas propor uma reflexão jurídica e não somente moral sobre o tema que é tão atual numa sociedade globalizada na qual o número de produção científica é alto e possui uma capacidade inimaginável de difusão numa velocidade ainda mais assustadora. E o Direito, objeto de estudo e opção de vida feita por nós, deve acompanhar as mudanças de pensamento.

Autor: Rafael Ferreira Gomes Giacomin
Colaborou: Pedro Henrique Costa e Moreira

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Filme O Júri x Justiça e Perdão

O filme se passa em New Orleans e conta a história dos bastidores de um processo milionário, nele ocorre um homicídio doloso, com arma de fogo, no escritório de uma empresa, e a viúva de uma das pessoas assassinadas resolve buscar indenização pela morte de seu marido, processando a indústria de armas.
A indústria de armas contrata, a peso de ouro, um eficiente escritório de advocacia capaz de vencer qualquer causa. A viúva é defendida por um modesto escritório, mas também considerado bastante eficiente. O escritório contratado para defender a indústria de armas é coordenado por um homem altamente especializado em investigar a alma humana. Seu papel será escolher os jurados que irá impugnar minimizando as chances de uma derrota.
Os planos de vitória da indústria de armas são ameaçados com a interferência de um casal de namorados que estão tramando a manipulação do corpo de jurados. Fazem chantagem para ambos os lados do processo buscando dinheiro em troca de influência da tendência do júri. Manipulação, corrupção e sabotagem marcam o filme.
Este filme mostra claramente quão falha e absurda pode ser a Instituição do Júri. Constitucionalmente a Instituição do Júri foi criada para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. A previsão encontra-se inclusive na Constituição Federal de 1988. A Constituição quis, em face da comoção popular que normalmente acontece nos crimes dolosos contra a vida, retirar a possibilidade de decisão de um só (juiz), e estende-la para a sociedade, uma vez que os jurados são representantes do povo. O objetivo do legislador foi entregar para a sociedade o autor do crime, buscando diminuir a ira da massa.
Isso nos leva a indagar algumas coisas como: será que existe mesmo justiça, no fato de sete pessoas decidirem o destino de outra? Haverá algum tipo de perdão para essa pessoa, ou ela já chega ao tribunal acusada devido ao fato da notoriedade do caso? A resposta é depende, são pessoas que não acompanharam as investigações, que não leram o inquérito, que não tiveram acesso à leitura dos autos do processo, que nada sabem a respeito da vida e das circunstâncias do crime. Tudo que sabem é o que está sendo narrado pelo promotor e pelo advogado de defesa, dessa forma tem que existir uma imparcialidade total na cabeça dessas pessoas, imparcialidade essa que é quase impossível, graças a seus próprios pré-julgamentos, aos da mídia, às crenças dessas pessoas e vários outros fatores que tendem a lhes levar para um lado ou para outro. Um caso bastante atual e que remete bem a esse tema tão controvertido que é o da justiça e perdão ou a falta deles no sistema do tribunal do júri é o do casal Nardoni. Antes mesmo do julgamento, a sentença já estava na boca de toda população: culpados. A mídia não falava em outra coisa e após cinco dias de julgamento saiu à sentença, 31 anos para o pai e 26 para madrasta, lembrando que não estou defendendo os acusados, só demonstrando um exemplo claro de um tribunal do júri que por causa de todo o estardalhaço que houve na mídia em volta do caso, já possuia seus pré-conceitos em torno do mesmo, antes até de entrarem na sala da audiência.
É interessante também debater sobre o perdão. Será que uma pessoa dessas que passou por um tribunal do júri tão comentado em todo país terá perdão algum dia? Mesmo que essa pessoa cumpra toda sua pena, será que quando estiver na rua ela já estará perdoada? Possivelmente não, essas pessoas serão sempre reconhecidas como criminosas e dificilmente conseguirão algum dia retomar suas vidas. Portanto é de tamanha importância raciocinarmos se é mesmo justa a existência um tribunal do júri, devido principalmente a algazarra que este proporciona na mídia e na população em geral.
Concluindo, é bem ilustrativo assistir o filme, pois ele mostra a fragilidade do sistema do júri. Comparações à parte ambos os sistemas, tanto o americano como o nosso são sistemas precários e passíveis de falhas. Necessitam de mudanças efetivas para o bem da sociedade e para a correta promoção da justiça. Espero que gostem do filme.