terça-feira, 9 de março de 2010

Lei de Anistia: A utópica justiça coexistindo ao conveniente perdão


Qual é a face do nosso passado? Fortes lembranças tem contracenado com inexplicáveis esquecimentos quando o tema resgatado diz respeito aos longos e infindáveis anos de ditadura militar no Brasil. As lembranças daquele "Brasil: ame-o ou deixe-o" impunham como dever ser a dualidade entre a permanência no país como instrumento do jogo do poder ou a imediata retirada, acatada como resultado justo da negação do exercício patriótico.
O exílio, sentido como violenta forma de coerção disseminou o medo, mas não foi suficientemente temido ao ponto de intimidar cidadãos que dia-a-dia denunciavam o cerceamento daqueles direitos considerados mais fundamentais à existência humana. O povo negou-se a acatar ordens do obscuro silêncio, fazendo da voz da massa a principal arma de enfraquecimento do regime até então dominante. A abertura lenta e gradual no governo Geisel significou o início de um novo final, que levaria a pátria à momentos de grande euforia, quando em 1979 o então General Figueiredo sanciona a Lei de Anistia.
O governo militar procurou os melhores argumentos para justificar a promulgação da supracitada lei, explicando a palavra anistia como sinônimo de perdão. Assim, nos diz o artigo primeiro que estariam extintos de punibilidade - ou seja, perdoados - todos os responsáveis por atos considerados crimes eleitorais, políticos e os conexos com estes, excluindo-se desse ato de benevolência os torturadores e sequestradores.
Quão justa se mostra essa legislação, não acham? Ironias à parte, mas o fato é que o povo se acabou dando por enganado, optando por assassinar um passado outrora vivo. Partiu-se então à reconstrução de novo futuro. Nas palavras do cantor e compositor Chico Buarque "a ditadura emburreceu o Brasil e provocou amnésia política na população". Obviamente os objetivos eram outros e "constituíam em liberalizar o regime, não para superar a ordem autoritária, mas para institucionalizá-la", segundo aponta o sociólogo e ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
O caminho do esquecimento trouxe a sociedade ao presente para, trinta anos após a concessão de anistia, comemorar com hipocrisia três décadas de superação. Pergunto: Houve justiça? Todos deveriam ter sido devidamente culpados ou todos deveriam ter sido devidamente inocentados??? Acredito que uma lei de anistia ampla, geral e irrestrita deixou muito a desejar com relação aos entes que atacaram violentamente os princípios morais e éticos. Puniram-se os rotulados como terroristas e declaram inocentes os militares sanguinários que se dedicavam à arte da tortura. Essa disparidade, no que tange a questão da punibilidade, demonstra a ausência da justiça e a inércia dos brasileiros por não tê-la exigido no momento oportuno. Preferiram adormecer a história e somente acordá-la num momento em que o Estado já carecia de legitimidade para o exercício do jus puniendi.
Um despertar tardio significou um ponto final ao direito de se fazer justiça. O que resta agora é apenas conformismo, visto que a menor tentativa significará um atentado à égide de um Estado Democrático de Direito. Conquistamos o renascimento da democracia arduamente e um dos preços a se pagar por essa conquista consiste em respeitar as regras previamente estabelecidas. O tempo de reclamar atrocidades acabou na data da promulgação da Constituição de 1988, que em seu artigo 5º, XXXVI, nos ensina que a "lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada".
A impossibilidade de levar à julgamento as atrocidades cometidas ao longo do período militar, ainda se mostra controversa na visão dos mais esperançosos. O governo lulista carregado de boas intenções reservou o Eixo Orientador VI, intitulado como "o direito à memória e à verdade", da Cartilha dos Direitos Humanas editada em dezembro de 2009, almejando iniciar a punição dos culpados. Críticas à parte, mas esqueceram-se que o direito de ação está prescrito há algumas décadas, concluindo-se que os objetivos tão almejados não conseguirão sair do mundo que Platão afirmava pertencer às ideias. Resta agora aprender com a história, pois o tempo de investigá-la e julgá-la infelizmente foi deixado para trás.

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