Já faz certo tempo que a Psicologia é chamada a intervir na cena jurídica para auxiliar naquilo que adentra o campo da subjetividade, pois sabe-se que muitas das vezes a demanda processual, ao envolver questões de ordem afetiva, de vingança, dentre outros pedidos subliminares, ultrapassa o Direito. Considerando-se a objetividade que a este último é proposta, não lhe é possível atingir o interior do indivíduo em sua plenitude, função esta que é então delegada aos especialistas da Psicologia. Desta forma, na tentativa de obter certa garantia nas decisões judiciais, os operadores do Direito solicitam aos psicólogos laudos periciais, principalmente ao tratarem de questões da vara de família e daquelas atreladas à área criminal.
A partir disso, surgem as seguintes indagações: até que ponto deve-se relegar à Psicologia a importante missão de dizer com quem deve ficar a guarda do filho e se ele deve receber a visita do genitor que não a possui, se um casal está apto a adotar uma criança, se o agente de um delito tinha consciência de seus atos no momento em que o praticou, se é portador de periculosidade, se certa pessoa é capaz de gerir por si própria seus bens ou se precisa de um curador, enfim, estabelecer o que é certo ou errado, o que é o justo e o injusto no caso concreto? Agindo dessa forma, o Direito estaria a se desresponsabilizar pela decisão a ser tomada e a transmitir à Psicologia a tarefa de proporcionar a justiça?
Ao palestrar sobre “A Psicanálise e a deterrminação dos fatos nos processos jurídicos”, em um seminário de juristas, Freud afirma que “A Psicanálise não tem como oferecer aos processos jurídicos elementos para o Direito se servir em suas decisões sobre a culpa e o castigo, ou seja, o veredicto do tribunal não deve se apoiar nas investigações da Psicanálise” (FREUD, 1906, pp. 105-115). Lacan dá força à teoria freudiana ao afimar que “A Psicanálise tem limites que são exatamente aqueles em que começa a ação policial, em cujo campo ela deve se recusar a entrar” (LACAN, 2003, pp. 129-130).
A partir desse prisma, métodos inovadores, como o desenvolvido pelo Programa de Atenção à Família, sediado na Central de Conciliação de Belo Horizonte, devem ganhar mais espaço em nossa sociedade. Nesse projeto, do qual participam juízes e psicólogos, o acompanhamento de ações de separação judicial, alimentos, guarda, regulamentação de visitas, dentre outras, é feito de modo a dispensar a elaboração de laudos psicológicos. Ao invés destes, o Programa busca agir de forma imediata nos conflitos familiares, visando restabelecer a comunicação entre as partes e incentivando-as à composição de acordo. Desta forma, o Programa de Atenção à Família oferece aos envolvidos a oportunidade de resgatarem a autonomia para solucionarem seus próprios conflitos.
Uma das maiores dificuldades encontradas pelo Programa de Atenção à Família é a disseminação de uma cultura de pacificação no âmbito judicial, ao contrário da de litígio, que foi até então dominante. Isto demonstra que persiste em nossas mentes, muitas vezes de forma embutida, uma certa aversão ao ato de perdoar, de reconciliar, nos sendo preferível o conflito litigioso, mesmo que este seja mais doloroso. É como se recorrêssemos ao judiciário para que este atue como um intimidador da conduta do outro que nos aflige e para ameaçar a parte “adversária” acerca das consequências do não cumprimento ao que a lei determina, e não para discutirmos e resolvermos a questão que nos atormenta.
Nos resta concluir que se o foco da Psicologia fosse deslocado da questão da elaboração de laudos pericias, os quais reduzem o sujeito observado a um objeto, e houvesse mais ênfase na busca de soluções imediatas para os conflitos, tomando como exemplo o Programa de Atenção à Família (que se baseia na reconciliação entre as partes), a contribuição da Psicologia ao Direito alcançaria proporções bem maiores, além de estar atuando para um mundo mais pacífico e consequentemente mais justo.
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