quarta-feira, 21 de abril de 2010

A aplicação do princípio da insignificância nos casos de furto famélico: Questão de justiça ou de perdão?

O Direito Penal no Brasil é caracterizado pela intervenção minima. Ele tem um caráter subsidiário, sendo a morfina do direito, a última solução, a sanção mais forte do direito, e um caráter fragmentar, pois visa a tutela dos bens jurídicos fundamentais para a vida em sociedade. O principio da insignificância é um dos princípios que norteiam o Direito penal. Enquanto meio de interpretação restritiva, visa excluir a tipicidade material das condutas, pois a lesão causada é ínfima e não afeta relevante-mente o bem jurídico tutelado, ou seja, apesar de subsumir-se perfeitamente o fato à norma, tal acontecimento é tão irrisório que os rigores penais são dispensáveis.

Inicialmente é importante definirmos o princípio da insignificância, que surgiu na Alemanha, na doutrina de Klaus Roxin, e que rapidamente foi aderido ao direito brasileiro, com aceitação majoritária da doutrina e jurisprudência. Como a definição do princípio é pacifica, utilizaremos o conceito encontrado nos artigos publicados nos sites “Jus Navigandi” e “Web Artigos” respectivamente. Confira-se:

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Tal é o princípio da insignificância ou bagatela, segundo o qual para que uma conduta seja considerada criminosa, pelo menos em um primeiro momento, é preciso que se faça, além do juízo de tipicidade formal (a adequação do fato ao tipo descrito em lei), também o juízo de tipicidade material, isto é, a verificação da ocorrência do pressuposto básico da incidência da lei penal, ou seja, a lesão significativa a bens jurídicos relevantes da sociedade. Caso a conduta, apesar de formalmente típica, venha a lesar de modo desprezível o bem jurídico protegido, não há que se falar em tipicidade material, o que transforma o comportamento em atípico, ou seja, indiferente ao Direito Penal e incapaz de gerar condenação ou mesmo de dar início à persecução penal.

(...)

Fonte: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5000

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O princípio da insignificância repousa no princípio maior de que é inconcebível um delito sem ofensa: nullum crimen sine iniuria. Ele pressupõe o princípio da "utilidade penal", onde só é idôneo punir quando a conduta for efetivamente lesiva a terceiros.

(...)

Fonte:
http://www.webartigos .com/articles/5912/1/A-Aplicabilidade-Do-Principio-Da-Insignificancia/pagina1.html


Portanto, destaca-se que apesar da incidência da tipicidade formal, a tipicidade material é excluível devida a insignificância da lesão que atingiu o bem jurídico tutelado.

Todavia, há divergências na aplicação desse princípio, pois estabelecer a insignificância nos casos concretos envolve um alto grau de subjetividade. Por exemplo, se o empresário Bil Gates fosse vitima de furto de R$10.000.00 reais, isso seria insignificante perto da fortuna que ele ostenta, o que não ocorreria se a vitima fosse um mero estagiário estudante de direito.

Curiosamente, na Espanha, as pessoas que cometem furto, inferiores a quantia de 400 euros, não são punidas, mesmo nos casos de reincidência. A justificativa é o principio da insignificância. O que jamais se aplicaria no Brasil, 400 euros equivalem a mais de R$1000.00 reais, uma quantia bastante significativa para nossos padrões.

O clássico exemplo do furto de uma maçã em um supermercado, em que a incidência da pena, e mesmo do processo, no caso, mostra se desnecessário, devido a desproporcionalidade entre a conduta e a sanção, será o norteador dessa reflexão, que tem como objeto a aplicação e justificação do princípio da insignificância nos casos que envolvem as vitimas da injustiça social e o Estado, na posição de garantidor da igualdade de condições na sociedade . O miserável que furta uma maça, por não ter condições minimas de subsistência, e é pego em flagrante, claramente não deverá ser punido. Este é o chamado furto famélico. Mas isso se dará por uma questão de justiça, pois todo ser humano deve ter condições minimas de sobrevivência, ou por uma questão de perdão, pois uma maça a mais ou uma maça a menos não fará diferença para o dono do supermercado? Mas e se todos os miseráveis da cidade resolvessem furtar uma maça, uma laranja ou um pacote de arroz desse supermercado, eles deveriam ser perdoados, sob a justificação de viverem uma injustiça social? Seria o dono do supermercado o responsável por pagar pela insuficiência do Estado e do sistema em dar condições minímas de sobrevivência para todos os cidadãos?

Ou seja, se o Estado deixar de punir o miserável que, em estado de necessidade, furtou a maça, ele não estará perdoando o miserável, mas sim a si mesmo, por não conseguir manter a justiça social, pois em nosso território impera a desigualdade de condições.

Dessa forma, conclui-se que o princípio da insignificância é aplicado, atualmente, nos casos de furto famélico, sob a justificação de que é injusto as pessoas passarem fome e, se, alguém praticar o crime de furto, sob esse pretexto, deverá ser perdoado. Enquanto ao dono do supermercado, apesar de não ser o responsável pelas deficiências estatais, ele deverá arcar com o ônus da perca da maça, devido a sua relação de hipossuficiência com o miserável e pelo valor insignificante da maça se comparado ao patrimônio total do empresario.

Entretanto, o que se vê na prática, é que o Estado tem usado o princípio da insignificância nos casos de furto famélico para compensar a enorme injustiça social presente no seu território, para tentar amenizar as críticas sobre si e para conseguir o perdão dos cidadãos pela sua incapacidade de garantir a igualdade.

Ao menos os Tribunais tem exigido que se comprove o estado de necessidade, mas ressalta-se, esse estado de necessidade quando comprovado, é reflexo da má atuação estatal. Em recente decisão, o TJMG tratou da questão da exigência de comprovação do estado de necessidade. Confira-se:

Número do processo:
1.0042.04.006025-5/001(1)
Númeração Única:
0060255-19.2004.8.13.0042
Acórdão Indexado!
Precisão: 13

Relator:
PEDRO VERGARA
Data do Julgamento:
17/04/2007
Data da Publicação:
12/05/2007
Ementa:
FURTO - CONDENAÇÃO - IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA - ABSOLVIÇÃO - ESTADO DE NECESSIDADE - NÃO-CONFIGURAÇÃO - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - FALTA DE PREVISÃO LEGAL - REINCIDÊNCIA NÃO CARACTERIZADA - SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS - POSSIBILIDADE RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. Não se conhece a excludente de ilicitude do estado de necessidade se a defesa não faz prova do estado de penúria do agente, não preenchendo este os requisitos exigidos. Não cabe ao Poder Judiciário a aplicação do princípio da insignificância, porquanto constitui função do Poder Legislativo selecionar os critérios da tutela penal dos bens jurídicos. Inexistindo sentença condenatória com trânsito em julgado anterior ao fato em apreço, haverá de ser afastada a incidência da agravante da reincidência. Faz jus ao benefício da substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos, se o agente preenche os requisitos previstos no artigo 44 do Código Penal.
Súmula:
DERAM PROVIMENTO PARCIAL.


Fazendo um paralelo com a teoria Aristoteliana, que liga a justiça a dois conceitos bem próximos, a igualdade e a lei, e estabelece três formas de injustiça, podemos detectar diversas situações de (in)justiça nos casos que envolvem a pessoa em estado de penúria, pois esta encontra-se no extremo da carência, da falta de condições de subsistência, sofrendo uma injustiça. Ao passo que a aplicação do princípio da insignificância está de acordo com o nosso ordenamento jurídico, ou seja, de acordo com a lei, sendo justa a sua aplicação. Mas essas relações só são possíveis se ignorarmos que a principal função do Estado, inclusive estabelecida em lei, é garantir a igualdade de condições entre os cidadãos, a qual ele não consegue cumprir. E como ele não consegue cumprir, ele acaba sendo injusto por manter alguns cidadãos no extremo (vicio) do excesso e vários deles no extremo (vicio) da carência e ao mesmo tempo ele é injusto por não cumprir a lei, que determina a igualdade, e a garantia de que todos cidadãos tenham condições minimas de sobrevivência digna. Ou seja, o estado realiza a proeza de praticar as três formas de injustiças, previstas na teoria Aristoteliana, simultaneamente. Com certeza Aristóteles jamais perdoaria um Estado como esse. O teórico deve estar se revirando no tumulo!

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