domingo, 9 de maio de 2010

Você perdoaria os crimes de tortura ocorridos durante a Ditadura Militar no Brasil? Pensar o perdão e a justiça nos crimes de tortura



Você perdoaria os crimes de tortura ocorridos durante o período da Ditadura Militar no Brasil? A pergunta que nos leva a refletir sobre esse período obscuro do país, também, conduz a certos argumentos e respostas (verdadeiras ou falsas) sobre as pessoas que praticaram atos de tortura. Para fazer com que a justiça prevaleça nesses casos de crimes de tortura será preciso analisar todo um contexto histórico no qual os agentes dessa conduta estavam inseridos, sem, contudo, nos limitarmos especificamente à conduta individual deles ou a que ideologia estavam arraigados.
Por mais difícil que seja encontrar uma resposta satisfatória para esta questão ou então por mais bem fundamentada e aceita que ela possa ser num dado momento histórico, a pergunta permanece como uma potencialidade a novas explicações e indagações, impulsionando continuamente novos julgamentos dos agentes já condenados (ou não) pelo crime que praticaram.

Para denotar o episódio que envolve o governo ditatorial no Brasil, vale lembrar que, historicamente, foi em 1º de abril de 1964 que as Forças Armadas promoveram um golpe de Estado chamado de "revolução" pelos militares e instauraram uma ditadura militar no Brasil, que duraria por vinte e um anos (1964-1985). Nessa conjuntura, o regime militar, criou todo um aparato repressivo especializado composto pelo Sistema Nacional de Informações e pelo Sistema de Segurança Interna e de fez várias mudanças legislativas como os Atos Institucionais nº 1 (AI-1), nº 2 (AI-2), nº 5 (AI-5), novas leis de segurança nacional entre outros mecanismos que visavam fortalecer o poder estatal sobre todos os setores sociais. Um dos engenhos utilizados para conseguir com que todos os opositores do sistema corroborassem com o governo foi, muitas vezes, a tortura, o desaparecimento forçado e a execução extrajudicial para perseguir e reprimir seus inimigos políticos.

Em outras palavras, estabeleceu-se no Brasil toda uma estrutura de repressão montada, organizada e patrocinada pelo Estado, que também utilizava práticas criminosas para perseguir e punir os que se opunham ao regime autoritário e que culminou na criação de uma verdadeira legião de ‘soldados’ garantidores da ordem social. Muitos militares, a serviço do governo, protagonizaram crimes marcados pela violência e crueldade, com os quais o governo esmagou a contestação vinda dos opositores políticos do seu regime ditatorial. Entre esses militares imperava a violência e técnicas notadamente cruéis para conseguir a confissão dos suspeitos. Pau-de-arara, choque elétrico e afogamento foram algumas das torturas utilizadas para reprimir as manifestações e arrancar informações sobre as atividades de grupos e pessoas supostamente ligadas aos grupos subversivos.

Pesquisas recentes dão conta de que foram 144 assassinatos políticos, 125 desaparecimentos forçados e 1.843 casos de tortura, somente a partir da análise de processos produzidos pela própria Justiça Militar no período compreendido entre 1964 e 1979. No entanto, esses números parecem ainda longe de atingir a verdadeira estimativa de torturados durante esse mesmo período.

A partir de 1980, a articulação para o processo de redemocratização e consolidação de um Estado Democrático de Direito no Brasil, precisou unir esforços em todos os setores políticos, sociais e econômicos para tomar medidas substanciais que afastassem de vez essa fase emblemática de nossa história. Entre essas medidas, podemos destacar: mudança na legislação, inclusive com a promulgação de uma nova constituição; reparação e compensação às vítimas de violência patrocinada pelo Estado ou aos seus familiares; reformas profundas em instituições como a polícia, as forças armadas e o próprio Poder Judiciário; afastamento das funções públicas de todos aqueles envolvidos em atos contra os direitos fundamentais; estabelecimento de "comissões da verdade" ou "tribunais da memória". Em 1985s, o novo regime democrático surgido dessas medidas, teve inevitavelmente que enfrentar a questão de saber se os responsáveis pela repressão deveriam ser penalmente punidos e, com base nos preceitos democráticos, como efetivar essa punição.

Passados 20 anos do período de transição política, as autoridades responsáveis pela correção do injusto ato da tortura não encontraram solução plausível para efetivar a punição dos crimes da ditadura. Em momentos pontuais da nossa história foram promulgadas leis para tentar corrigir esse problema. Já em 1979, ainda no governo militar de João Batista Figueiredo, foi promulgada a Lei nº 6.683, que concedeu anistia, não só para os presos e exilados por crimes políticos, mas também para os agentes estatais e demais pessoas que cooperaram com o regime autoritário, responsáveis pelos crimes relacionados à repressão política.

Como resultado dessa lei, os agentes estatais, mesmo após a redemocratização do Brasil, nunca foram levados a julgamento e a eventual punição penal pelas condutas delituosas praticadas. O que aconteceu? A lei que anistiou os agentes, também lhes concedeu o "perdão"? As condutas criminosas e os abusos praticados pela repressão política estatal durante a ditadura militar não foram esquecidos? Ainda hoje temos essa ferida aberta no Brasil. Ferida porque quem foi torturado não se esquece do que sofreu. Famílias inteiras foram dizimas e/ou separadas e trazem a angústia de não conhecer o paradeiro de seus entes queridos.

Será que as coisas vão mudar daqui para frente? Em março de 2010, um grupo de militares que não apoiaram o golpe de 1964, e por isso foram punidos, postularam no STF um pedido para que na Lei da Anistia não se inclua os crimes de tortura. Eles consideram que “os crimes comuns e de tortura praticados pelos agentes do Estado e da Repressão durante o regime militar brasileiro são atos absolutamente nulos e impassíveis também de anistia”. Pediram ainda que sejam julgados os torturadores e que a punição desses feche a ferida aberta, e reiteraram que a não inclusão do crime de tortura na Lei da Anistia pode provocar um esquecimento artificial dos fatos ocorridos, punindo novamente as vitimas.

A petição, protocolada pelos militares, requer ingresso, como amicus curiae na ação de Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil. A ação da OAB questiona quais tipos de violação podem ser classificadas como crimes comuns e quais continuam a ser entendidos como ações políticas, - o que as enquadra dentro da Lei de Anistia. A lei concede perdão a todos os envolvidos com crimes políticos entre 1961 e 1979. Os postulantes usam argumentos com base na legislação nacional e internacional para afirmar que:

“Anistia não é esquecimento. (...) A Lei de Anistia não pode provocar um esquecimento artificial dos fatos ocorridos. (...) Anistia não é perdão. (...) A questão que se coloca, é se a Lei da Anistia significa o auto-perdão, ou seja, o Estado na condição de perpetrador da violência deve ser por ele mesmo perdoado? Se anistia não se confunde com perdão, muito menos pode significar auto-perdão”.[1]

Sobre a alegação de que a anistia foi um pacto político, escrevem os militares:
“Não se pode justificar o Estado Democrático de Direito atual sob o esquecimento e negação da violação de direitos perpetrada pelo regime militar. Não há acordo, pacificação, reconciliação, perdão e/ou reconstrução se a uma das partes é vedada o conhecimento do que efetivamente se passou e quem foram os responsáveis”[2]

Justiça ou perdão?Todo esse questionamento sobre a legitimidade da anistia conferida aos defensores do regime militar não significa que seria hoje possível condenar penalmente os responsáveis pelos crimes praticados durante o período da ditadura, isso se fossem respeitadas todas as exigências prescritas pelo nosso ordenamento jurídico para o julgamento desses agentes por um tribunal nacional. Tanto que todas as ações propostas recentemente contra os autores da repressão política são de caráter civil. Além do fato de que grande parte dos envolvidos na criminalidade estatal do passado já faleceu, a punição penal dessas pessoas seria hoje impossível, em razão da extrapolação do prazo prescricional dos delitos praticados (art. 109 do Código Penal).

O que nós podemos verificar com todas essas discussões é que, em meio ao discurso de perdão e Justiça no Brasil, continua existindo um impasse acerca da impunidade dos crimes praticados pela ditadura, entre os que são a favor e os que são contra a anistia aos militares. A pergunta que fazemos é se, diante de todo esse embate, que mais parece ser exclusivamente político, e diante da fragilidade de nosso sistema penal, cada um de nós, particularmente, perdoaríamos os crimes de tortura praticados no período da Ditadura Militar no Brasil?



Referência bibliográfica

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. O fim das "leis" de auto-anistia. In: FÓRUM DE ENTIDADES NACIONAIS DE DIREITO HUMANOS, 31 dez. 2006. Disponível em: . Acesso em: 24 abril 2010.

[1] TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. O fim das leis de auto-anistia. In: Fórum de Entidades Nacionais de Dieitos Humanos, 31 de dez. 2006.
[2] Idem.

2 comentários:

  1. A lei no Brasil só retroagirá se for p/ beneficiar o réu, a lei de anistia, pos uma pá de cal sobre o assunto, ao invés de ficar desenterrando defuntos, deveria-se preucupar em punir os torturadores atuais do tipo daquela procuradora, lá do estado do RJ. Mas, logo vai vir alguém dizer q/ somente a polícia é que pode figurar como agente do crime. quanta demagogia, criminoso é criminoso, seja ele quem quer que seja, a lei é igual p/ todos é o que diz a CF. artigo 1.º da Convenção da ONU de 1984, para exterminar, de uma vez por todas, qualquer dúvida acerca da constitucionalidade da Lei Federal Especial Brasileira de 1997:

    "Artigo 1.º

    (...) O presente artigo não será interpretado de maneira a restringir qualquer instrumento internacional ou legislação nacional que contenha ou possa conter dispositivos de alcance mais amplo".

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  2. ditadura foi pra tirar esse bandidos que hoje receberam anistia e estão todos no congresso matando os brasileiros de fome e deixando o povo na miséria sem se importar com ninguem, está assi.

    SALVE-SE QUEM PUDER

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