É costume se ouvir por aí que, na análise dos acontecimentos da vida, “tudo depende do referencial”. De fato, o ponto de vista é determinante na apreensão de contextos e ocorridos. Aliado a ele, no exercício da interpretação de um fato, todo um background de experiências é capaz de influenciar – e muito – a opinião de alguém. Assim, de certa forma, nossos juízos acerca de grande parte do que vemos ou ouvimos é tendencioso, ainda que inconscientemente. Somos pessoas relativistas; interpretamos a vida por meio de lentes que nos foram postas no decorrer de nosso crescimento.
É difícil se abster, não tomar partido. Principalmente em relação a alguém inserido em determinado tipo de situação que por algum motivo nos comove ou pela qual estamos passando, já passamos, ou até mesmo nossos avós, pais, irmãos, tios, amigos, etc. É parte do ser humano este constante exercício de identificação, que por vezes os aproximam, por outras os afastam, principalmente se influenciados por grupos ou pelos veículos de comunicação em massa.
Esta tendência afeta também a justiça e o perdão, que são sim dotados de relatividade – mais uma vez insisto, ainda que de forma não consciente, em grande parte dos momentos -, por conseqüência do comportamento natural do homem e suas experiências de vida. Tudo depende de qual lado se analisa um ou outro conceito. Poderemos então tender para um contexto, ou outro.
Ao condenado por ter furtado um pacote de arroz para o sustento de sua família, a sanção penal lhe parece injusta; ao proprietário do supermercado do qual o produto fora subtraído, parece-lhe justa. Ao preso que obteve a progressão de regime, passando então ao semiaberto por seu bom comportamento, a medida parece-lhe justa; à família da vítima morta por ele, injusta.
Sendo assim, perante diferentes indivíduos, teremos também diversos conceitos de justiça. Para aqueles que já tiveram um objeto furtado ou uma quantia qualquer, ainda que ínfima, ou até mesmo um conhecido deles, é provável que suas opiniões sejam semelhantes e que a condenação do causador do ilícito seja a mais justa das decisões. Já para aqueles que passam ou um dia passaram necessidade, é presumível que as interpretações sejam bastante diferentes e convergentes entre si: não é justo punir alguém que furta para satisfazer o mínimo necessário à sua sobrevivência.
Se a justiça pode ser relativa, será que é possível alcançar um único e verdadeiro perdão por meio dela? Creio que não; chegaríamos apenas a outro conceito dotado de relativismo. Da mesma forma em que há múltiplas justiças, existem também diversos perdões, variáveis em níveis de intensidade e proporção, segundo aqueles que os analisam. É claro que quem mata por legítima defesa crê ser seu ato perdoável e justo, já que defendeu seu bem maior tutelado pelo Direito. Já a mãe do agressor morto, por outro lado, dificilmente perdoará o ato ou considerá-lo-á justo, ainda que a conduta do filho fosse socialmente reprovável. Àqueles que defendem a pena de morte, a medida parece justa e imperdoável. Mas e se o condenado à morte fosse seu filho, irmão, pai, melhor amigo...? Será que não seria perdoável e injusta?
Dizem que “pimenta nos olhos dos outros não arde”. E, de certa forma, ao analisarmos faces distintas de justiça e perdão em iguais situações, é isto que percebemos. Ambos aproximam-se ou afastam-se do seres na medida em que lhes beneficiam; que lhes são convenientes. Os frutos que deles podemos tirar e as oportunidades que podem ou não nos trazer o perdão e a justiça perseguem e influenciam nossas opiniões, definições, interesses e formas de pensar e proceder.
Frente aos embaraços e percalços que podem a mente e o comportamento humano guiarem nossas ações, o poder jurisdicional procura exercer sua função de forma cautelosa e imparcial. Aos juízes cabe analisar casos tendo em vista apenas fatos apresentados, testemunhas, provas e depoimentos, deixando de lado experiências particulares, pré-conceitos e relativismos que, de certa forma, poderiam influenciar suas atividades. Até mesmo a simbologia por detrás da justiça demonstra tal persecução: as vendas tornam a mesma cega e imparcial; a espada faz do Direito sua obrigatória aplicação e, a balança, equilibra as decisões de forma racional. Na teoria, é isso. Mas será que, na prática, é possível mantermos, a todo tempo, a justiça de olhos vendados?
Ana,
ResponderExcluirSeu texto ficou muito bom... De fato, vivemos numa verdadeira dualidade e somos sempre pautados por relativismos que muitas vezes não nos damos conta. Nos posicionamos ora de um lado, ora do outro, ora a favor da justiça, ora do perdão. Cada caso é um caso e em cada um julgamos de acordo a nossa "bagagem", nossos conceitos formados pelas nossas experiências e dos que nos rodeiam...
Obrigada, Nathalia! E, realmente, conforme comentou hoje o professor de Direito do Trabalho, os juízes nem sempre conseguem atuar de forma imparcial! Uma pena, não é?
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