Perdão. Ato ou efeito de perdoar. Esquecer mágoas, passado, rancores, sentimentos negativos por ofensas recebidas. Libertação de culpa. Virtude para poucos, apregoa a sabedoria popular. Quem perdoa é nobre, capaz de atingir um estágio espiritual ou mental que leva a superação do que, muitas vezes, parece insuportável ou definitivamente imperdoável. Perdão costuma vir de graça. De coração. É barato e faz um bem danado a quem dá e a quem recebe.
Sócrates (470 a.C – 399 a.C) dizia que “só quem entende a beleza do perdão, pode julgar seus semelhantes”. Já o romano Marco Túlio Cícero (106 a.C – 43 a.C), menos enaltecedor e de certo modo mais prático, apregoava: “dá-se perdão à necessidade”. Ao longo da história, inúmeros foram as conceituações acerca do ato. Até mesmo o ideológico compositor Raul Seixas, palpitou sobre o assunto. Para “todo pecado sempre existe perdão”, costumava dizer.
Independentemente de quem tenha partido, a verdade é que o discurso do perdão vem ganhando contornos diversos. Talvez, conceitualmente, conserve ainda pitadas de nobreza do instituto. Na prática, porém, verifica-se facilmente a banalização de uma ação que já fora extremamente virtuosa. Perdão, principalmente no meio político, virou sinônimo de desculpa. “Esfarrapada”.
No mês passado, o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, suspeito de comandar um esquema de propina entre políticos, aproveitou um evento em que tomavam posse novos diretores da rede pública de ensino da Capital Federal para se manifestar sobre o escândalo que, semanas depois, resultaria em sua prisão.
Na cerimônia, que não fora regada a panetones comprados com dinheiro público, Arruda disse que, “de coração mesmo”, perdoava todas as pessoas que o tinham agredido ou insultado, afinal, segundo ele, as imagens veiculadas em todo o país sobre o episódio possuíam “força” e eram mesmo capazes de causar indignação. Antes de encerrar o discurso, porém, revelou o real motivo de seu ato. “E sabem por que eu perdoei? Porque só assim eu posso também pedir perdão dos meus pecados”, disse. Parece que, para ele, basta perdoar, para ser perdoado...! Mas desde quando o povo necessita de perdão por se manifestar crítica e ativamente perante atitudes politicamente incorretas?
Do vídeo de Arruda surgiram comentários fervorosos. No site do jornal Correio Braziliense, o político foi chamado pelos leitores de “safado”, “ladrão”, “corrupto”, “cara de pau sem igual” e até mesmo “palhaço carequinha”, em referência a episódios anteriores e de mesmo cunho. Muitos pedem que a justiça seja feita. Cabe agora ao Poder Judiciário conceituá-lo dentro dos imparciais parâmetros da tipicidade, ilicitude e culpabilidade, em busca do justo. Será que vai dar perdão?
A sorte de Arruda e de inúmeros envolvidos em escândalos no país é que a memória do brasileiro é curta quando o assunto é política. Brasileiro se lembra do placar do último jogo de futebol do campeonato nacional do ano anterior, de quantas Copas do Mundo o Brasil já levou e sabe de cor o ano em que ocorrerá os Jogos Olímpicos por aqui. Mas se esquece facilmente das crises que assolam o país quase que ciclicamente, no âmbito político. Ano vai, ano vem, e “apronta-se” cada vez mais.
O brasileiro também se cansa de lutar. As passeatas de revolta duram pouco, têm prazo de validade, assim como a indignação das pessoas. Adicione-se a estes fatos o estigma e falta de auto-estima do povo que crê fielmente na máxima de que “tudo no Brasil acaba em pizza”, desestimulando ainda mais o interesse político-nacional. Como esquecer o notório episódio do ex-presidente Fernando Collor? Na época de seu Impeachment, o movimento estudantil dos Caras-pintadas ganhou repercussão internacional. Mas o político retornou à vida pública tempo depois, eleito Senador por Alagoas. Assim como muitos outros também ressurgiram de marcantes escândalos, como se nada tivesse acontecido.
Não se discute aqui a probabilidade de redenção ou mudança que qualquer um pode ter, nem ao menos a possibilidade do homem reerguer-se após um “erro”. Mas sim o comportamento do povo frente aos ilícitos do cenário político do Brasil.
Mas a verdade é que talvez o brasileiro não tenha a memória tão curta assim. Apenas age de forma a perdoar, sem ao menos saber que de fato perdoa. O brasileiro perdoa tacitamente; implicitamente. Abaixando a cabeça com o tempo; rendendo-se ao injusto, por ter se cansado de buscar a real justiça. Se nem o Poder Judiciário consegue punir os políticos, fazendo do Brasil o país da impunidade, do dinheiro na cueca, da pizza, do panetone, porque não ser nobre o bastante para fazer vista grossa frente ao que passou? Talvez, assim como Sócrates, os brasileiros inconscientemente entendam a importância do perdão, julgando, ainda que esporadicamente, a vida política. Manifestando o sentimento por mudanças nas ruas, em debates escolares, pontos de ônibus, nos olhares que reprovam e nos comentários que depreciam a desonestidade. Feito isso, se recolhem. Aplicam o perdão tácito como forma de superar a inalcançável justiça política.
Aos políticos que fazem de seu universo um campo de ilicitude, talvez pouco importe a beleza do ato ou o ponto de equilíbrio que harmoniza a balança da justiça, valores ou pudores. Resta a eles a praticidade do perdão, dita por Cícero. Quando necessário, por que não pedi-lo? Ou melhor: por que não dá-lo, para também ser perdoado? Assim fez Arruda, assim fizeram muitos.
Se por um lado releva-se facilmente o que ocorre no campo político e nos crimes de Colarinho Branco, a sociedade brasileira é rígida quando se trata de delitos contra a vida e pessoa, moralmente imperdoáveis na maioria das vezes. Nesta semana, por exemplo, recebeu progressão para o regime semiaberto um dos responsáveis pela morte do menino carioca João Hélio, de apenas seis anos, arrastado preso ao cinto de segurança do carro da família, após um assalto, em 2007. O jovem - na época com 16 anos - que participou do brutal crime de repercussão nacional, recebe da justiça o abrandamento da punição, assim como previsto pelo ECA, mas está longe de ser perdoado pela sociedade. Perseguido, deve inclusive passar a integrar um programa de apoio e proteção à criança e adolescente ameaçados de morte.
Esta situação espelha não só o repúdio dos brasileiros contra os delitos mais cruéis, como também a dificuldade de perdoar tais comportamentos, inclusive após o cumprimento da sentença. Em episódios deste tipo, surge da criminalidade a mais severa das punições, que penaliza o criminoso com duas penas. Primeiramente, a da justiça: criada para todos, imparcial, delimitada pelo tempo e, por sua natureza, perdoável juridicamente ao fim de seu cumprimento. Posteriormente, a social: moralmente questionadora, imperdoável na maioria dos casos e que se arrasta, indefinidamente, pelo tempo.
Sócrates (470 a.C – 399 a.C) dizia que “só quem entende a beleza do perdão, pode julgar seus semelhantes”. Já o romano Marco Túlio Cícero (106 a.C – 43 a.C), menos enaltecedor e de certo modo mais prático, apregoava: “dá-se perdão à necessidade”. Ao longo da história, inúmeros foram as conceituações acerca do ato. Até mesmo o ideológico compositor Raul Seixas, palpitou sobre o assunto. Para “todo pecado sempre existe perdão”, costumava dizer.
Independentemente de quem tenha partido, a verdade é que o discurso do perdão vem ganhando contornos diversos. Talvez, conceitualmente, conserve ainda pitadas de nobreza do instituto. Na prática, porém, verifica-se facilmente a banalização de uma ação que já fora extremamente virtuosa. Perdão, principalmente no meio político, virou sinônimo de desculpa. “Esfarrapada”.
No mês passado, o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, suspeito de comandar um esquema de propina entre políticos, aproveitou um evento em que tomavam posse novos diretores da rede pública de ensino da Capital Federal para se manifestar sobre o escândalo que, semanas depois, resultaria em sua prisão.
Na cerimônia, que não fora regada a panetones comprados com dinheiro público, Arruda disse que, “de coração mesmo”, perdoava todas as pessoas que o tinham agredido ou insultado, afinal, segundo ele, as imagens veiculadas em todo o país sobre o episódio possuíam “força” e eram mesmo capazes de causar indignação. Antes de encerrar o discurso, porém, revelou o real motivo de seu ato. “E sabem por que eu perdoei? Porque só assim eu posso também pedir perdão dos meus pecados”, disse. Parece que, para ele, basta perdoar, para ser perdoado...! Mas desde quando o povo necessita de perdão por se manifestar crítica e ativamente perante atitudes politicamente incorretas?
Do vídeo de Arruda surgiram comentários fervorosos. No site do jornal Correio Braziliense, o político foi chamado pelos leitores de “safado”, “ladrão”, “corrupto”, “cara de pau sem igual” e até mesmo “palhaço carequinha”, em referência a episódios anteriores e de mesmo cunho. Muitos pedem que a justiça seja feita. Cabe agora ao Poder Judiciário conceituá-lo dentro dos imparciais parâmetros da tipicidade, ilicitude e culpabilidade, em busca do justo. Será que vai dar perdão?
A sorte de Arruda e de inúmeros envolvidos em escândalos no país é que a memória do brasileiro é curta quando o assunto é política. Brasileiro se lembra do placar do último jogo de futebol do campeonato nacional do ano anterior, de quantas Copas do Mundo o Brasil já levou e sabe de cor o ano em que ocorrerá os Jogos Olímpicos por aqui. Mas se esquece facilmente das crises que assolam o país quase que ciclicamente, no âmbito político. Ano vai, ano vem, e “apronta-se” cada vez mais.
O brasileiro também se cansa de lutar. As passeatas de revolta duram pouco, têm prazo de validade, assim como a indignação das pessoas. Adicione-se a estes fatos o estigma e falta de auto-estima do povo que crê fielmente na máxima de que “tudo no Brasil acaba em pizza”, desestimulando ainda mais o interesse político-nacional. Como esquecer o notório episódio do ex-presidente Fernando Collor? Na época de seu Impeachment, o movimento estudantil dos Caras-pintadas ganhou repercussão internacional. Mas o político retornou à vida pública tempo depois, eleito Senador por Alagoas. Assim como muitos outros também ressurgiram de marcantes escândalos, como se nada tivesse acontecido.
Não se discute aqui a probabilidade de redenção ou mudança que qualquer um pode ter, nem ao menos a possibilidade do homem reerguer-se após um “erro”. Mas sim o comportamento do povo frente aos ilícitos do cenário político do Brasil.
Mas a verdade é que talvez o brasileiro não tenha a memória tão curta assim. Apenas age de forma a perdoar, sem ao menos saber que de fato perdoa. O brasileiro perdoa tacitamente; implicitamente. Abaixando a cabeça com o tempo; rendendo-se ao injusto, por ter se cansado de buscar a real justiça. Se nem o Poder Judiciário consegue punir os políticos, fazendo do Brasil o país da impunidade, do dinheiro na cueca, da pizza, do panetone, porque não ser nobre o bastante para fazer vista grossa frente ao que passou? Talvez, assim como Sócrates, os brasileiros inconscientemente entendam a importância do perdão, julgando, ainda que esporadicamente, a vida política. Manifestando o sentimento por mudanças nas ruas, em debates escolares, pontos de ônibus, nos olhares que reprovam e nos comentários que depreciam a desonestidade. Feito isso, se recolhem. Aplicam o perdão tácito como forma de superar a inalcançável justiça política.
Aos políticos que fazem de seu universo um campo de ilicitude, talvez pouco importe a beleza do ato ou o ponto de equilíbrio que harmoniza a balança da justiça, valores ou pudores. Resta a eles a praticidade do perdão, dita por Cícero. Quando necessário, por que não pedi-lo? Ou melhor: por que não dá-lo, para também ser perdoado? Assim fez Arruda, assim fizeram muitos.
Se por um lado releva-se facilmente o que ocorre no campo político e nos crimes de Colarinho Branco, a sociedade brasileira é rígida quando se trata de delitos contra a vida e pessoa, moralmente imperdoáveis na maioria das vezes. Nesta semana, por exemplo, recebeu progressão para o regime semiaberto um dos responsáveis pela morte do menino carioca João Hélio, de apenas seis anos, arrastado preso ao cinto de segurança do carro da família, após um assalto, em 2007. O jovem - na época com 16 anos - que participou do brutal crime de repercussão nacional, recebe da justiça o abrandamento da punição, assim como previsto pelo ECA, mas está longe de ser perdoado pela sociedade. Perseguido, deve inclusive passar a integrar um programa de apoio e proteção à criança e adolescente ameaçados de morte.
Esta situação espelha não só o repúdio dos brasileiros contra os delitos mais cruéis, como também a dificuldade de perdoar tais comportamentos, inclusive após o cumprimento da sentença. Em episódios deste tipo, surge da criminalidade a mais severa das punições, que penaliza o criminoso com duas penas. Primeiramente, a da justiça: criada para todos, imparcial, delimitada pelo tempo e, por sua natureza, perdoável juridicamente ao fim de seu cumprimento. Posteriormente, a social: moralmente questionadora, imperdoável na maioria dos casos e que se arrasta, indefinidamente, pelo tempo.
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