domingo, 28 de fevereiro de 2010

Eutanásia: mudando paradigmas de justiça e perdão

"Vivemos atualmente um momento de profundas mudanças nas sociedades contemporâneas e nos valores que sustentam esta sociedade. A repercussão da alta tecnologia, principalmente da biotecnologia na vida das pessoas está apenas começando. Tal revolução nos obriga a repensar o tempo; a biotecnologia nos obriga a pensar na vida e nos valores construídos durante séculos e que regem nosso comportamento diante das questões da vida e da morte."


Eutanásia é a prática pela qual se abrevia a vida de um enfermo incurável de maneira controlada e assistida por um especialista. Representa atualmente uma complicada questão de bioética e biodireito, pois enquanto o Estado tem como princípio a proteção da vida dos seus cidadãos, existem aqueles que, devido ao seu estado precário de saúde, desejam dar um fim ao seu sofrimento antecipando à morte. É considerada como um assunto controverso, existindo sempre prós e contras – teorias eventualmente mutáveis com o tempo e a evolução da sociedade, tendo sempre em conta o valor de uma vida humana.
Para quem argumenta a favor da eutanásia, acredita que esta seja um caminho para evitar a dor e o sofrimento de pessoas em fase terminal ou sem qualidade de vida, um caminho consciente que reflete uma escolha informada, o término de uma vida em que, quem morre não perde o poder de ser ator e agente digno até o fim. São raciocínios que participam na defesa da autonomia absoluta de cada ser individual, na alegação do direito à autodeterminação, direito à escolha pela sua vida e pelo momento da morte. Uma defesa que assume o interesse individual acima do da sociedade que, nas suas leis e códigos, visa proteger a vida. A eutanásia não defende a morte, mas a escolha pela mesma por parte de quem a concebe como melhor opção ou a única.
No Brasil, normalmente, é apontado como suporte a essa posição o art. 1º, III, da Constituição Federal, que reconhece a "dignidade da pessoa humana" como fundamento do Estado Democrático de Direito, bem como o art. 5º, III, também da Constituição da República, que expressa que "ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante", além do art. 15 do Código Civil que expressa que "Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica", o que autoriza o paciente a recusar determinados procedimentos médicos, e o art. 7º, III, da Lei Orgânica de Saúde, de nº 8.080/90, que reconhece a "preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral".
Muitos são os argumentos contra a eutanásia, desde os religiosos, éticos até os políticos e sociais. Do ponto de vista religioso a eutanásia é tida como uma usurpação do direito à vida humana, devendo ser um exclusivo reservado ao "Criador", ou seja, só Ele pode tirar a vida de alguém. Defendem, portanto, o caráter sagrado da vida. Da perspectiva da ética médica, tendo em conta o juramento de Hipócrates, segundo o qual considera a vida como um dom sagrado, sobre a qual o médico não pode ser juiz da vida ou da morte de alguém, a eutanásia é considerada homicídio. Cabe assim ao médico, cumprindo tal juramento, assistir o paciente, fornecendo-lhe todo e qualquer meio necessário à sua subsistência.
A busca por uma legislação que seja justa leva-nos para além da escolha individual, conduz-nos às questões dos direitos e do bem-estar de todos. Se o fato de estender a autonomia individual põe em risco os direitos de outrem, então esta não pode ser a base indiscutível para uma mudança na lei. É claro que existem muitos debates a respeito do que é necessário para garantir leis justas. Não pretendo defender a idéia favorável à eutanásia, mas sim buscar uma teoria de justiça adequada para equilibrar a liberdade individual com igualdade perante a lei, e que nossas organizações sociais devam garantir uma igualdade de oportunidade e uma maximização do bem-estar coletivo.
O mundo da alta tecnologia médica e da biotecnologia permite, hoje, condenar uma pessoa a permanecer em uma cama por vinte anos ou mais. Mas em meio a esta realidade, onde se coloca a questão da dignidade do ser humano? Como fica o direito do homem de morrer com dignidade? O célebre filósofo Platão, em uma de suas obras mais conhecidas “A República” afirmava: “a medicina deve se ocupar dos cidadãos que são bem constituídos de corpo e alma […], deixando morrer aqueles cujo corpo é mal constituído.

Há hipóteses de tratamento que a eutanásia pode receber, como, por exemplo, permitir ao juiz a concessão do perdão, isto é, deixar de aplicar a pena, reconhecendo circunstâncias que a justifiquem, correspondendo, no direito pátrio, à extinção da punibilidade. Pode-se também considerar a excludente de antijuridicidade de compaixão que, apesar de configurar o tipo penal, torna lícita a norma geral. Há a opção de considerar a eutanásia como delito ordinário ou privilegiado ou simplesmente conceituá-la como forma de ação socialmente adequada. O Direito Brasileiro optou pela terceira forma, isto é, considerou o crime como sendo um delito privilegiado, autorizando a redução da pena de homicídio de um sexto a um terço pelo juiz, embora a solução mais coerente e atual nos parecesse que a primeira hipótese seria a mais justa e de maior alcance social.
Porém o perdão é um ato pessoal que envolve valores intangíveis e não exige a reparação dos danos causados pelo culpado. Não segue regras preestabelecidas. Dispensa documentos e satisfações a terceiros selando essa decisão. Significa mais uma reconciliação do que o resultado de um julgamento. A vida em sociedade, por outro lado, precisa de regras definidas que têm de ser obedecidas independentemente de credo religioso, posição social e vontade pessoal, no qual o perdão é uma concessão muito rara porque pode ser entendido como fraqueza no cumprimento da lei. A condenação ou absolvição, para ser considerada justa, deve primar pela imparcialidade e pela transparência. Por isso, a Justiça não perdoa ninguém, apenas sentencia a culpa ou a inocência do réu.
Também não quero incentivar a prática da Eutanásia, mas acredito que assumiria tal postura e me conformaria com a decisão de alguém que amo escolher para si este fim. Porém o Direito não deve determinar de forma expressa se este ou aquele sujeito deve dar este ou aquele destino à sua vida. Desde que não se insira em situação antijurídica, de forma a causar danos à sociedade, o destino de cada um deve ser traçado por ele mesmo e não por um ente que se diz superior e que pensa dominar a todos.
Podemos dizer que os avanços tecnológicos trazem, de fato, melhorias consideráveis ao tratamento de doenças, mas que também carregam consigo características desumanas, porque buscam, a todo custo, o prolongamento de vidas de pacientes, através do emprego de medidas “heróicas”. Assim, nova postura ética da medicina deve garantir a dignidade do ser humano. Não quero com isso dizer que sou irrestritamente a favor da eutanásia, absolutamente. Isto tornaria a questão de um tema tão denso algo banal. No entanto, é preciso que o direito de morrer seja visto como algo realizável entre aquelas pessoas que só vêem a vida como dever de sofrer, sem a mínima perspectiva de melhora de suas dores físicas e/ou psíquicas.


sábado, 27 de fevereiro de 2010

Faces do Perdão na Sociedade Brasileira

Perdão. Ato ou efeito de perdoar. Esquecer mágoas, passado, rancores, sentimentos negativos por ofensas recebidas. Libertação de culpa. Virtude para poucos, apregoa a sabedoria popular. Quem perdoa é nobre, capaz de atingir um estágio espiritual ou mental que leva a superação do que, muitas vezes, parece insuportável ou definitivamente imperdoável. Perdão costuma vir de graça. De coração. É barato e faz um bem danado a quem dá e a quem recebe.
Sócrates (470 a.C – 399 a.C) dizia que “só quem entende a beleza do perdão, pode julgar seus semelhantes”. Já o romano Marco Túlio Cícero (106 a.C – 43 a.C), menos enaltecedor e de certo modo mais prático, apregoava: “dá-se perdão à necessidade”. Ao longo da história, inúmeros foram as conceituações acerca do ato. Até mesmo o ideológico compositor Raul Seixas, palpitou sobre o assunto. Para “todo pecado sempre existe perdão”, costumava dizer.
Independentemente de quem tenha partido, a verdade é que o discurso do perdão vem ganhando contornos diversos. Talvez, conceitualmente, conserve ainda pitadas de nobreza do instituto. Na prática, porém, verifica-se facilmente a banalização de uma ação que já fora extremamente virtuosa. Perdão, principalmente no meio político, virou sinônimo de desculpa. “Esfarrapada”.
No mês passado, o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, suspeito de comandar um esquema de propina entre políticos, aproveitou um evento em que tomavam posse novos diretores da rede pública de ensino da Capital Federal para se manifestar sobre o escândalo que, semanas depois, resultaria em sua prisão.
Na cerimônia, que não fora regada a panetones comprados com dinheiro público, Arruda disse que, “de coração mesmo”, perdoava todas as pessoas que o tinham agredido ou insultado, afinal, segundo ele, as imagens veiculadas em todo o país sobre o episódio possuíam “força” e eram mesmo capazes de causar indignação. Antes de encerrar o discurso, porém, revelou o real motivo de seu ato. “E sabem por que eu perdoei? Porque só assim eu posso também pedir perdão dos meus pecados”, disse. Parece que, para ele, basta perdoar, para ser perdoado...! Mas desde quando o povo necessita de perdão por se manifestar crítica e ativamente perante atitudes politicamente incorretas?
Do vídeo de Arruda surgiram comentários fervorosos. No site do jornal Correio Braziliense, o político foi chamado pelos leitores de “safado”, “ladrão”, “corrupto”, “cara de pau sem igual” e até mesmo “palhaço carequinha”, em referência a episódios anteriores e de mesmo cunho. Muitos pedem que a justiça seja feita. Cabe agora ao Poder Judiciário conceituá-lo dentro dos imparciais parâmetros da tipicidade, ilicitude e culpabilidade, em busca do justo. Será que vai dar perdão?
A sorte de Arruda e de inúmeros envolvidos em escândalos no país é que a memória do brasileiro é curta quando o assunto é política. Brasileiro se lembra do placar do último jogo de futebol do campeonato nacional do ano anterior, de quantas Copas do Mundo o Brasil já levou e sabe de cor o ano em que ocorrerá os Jogos Olímpicos por aqui. Mas se esquece facilmente das crises que assolam o país quase que ciclicamente, no âmbito político. Ano vai, ano vem, e “apronta-se” cada vez mais.
O brasileiro também se cansa de lutar. As passeatas de revolta duram pouco, têm prazo de validade, assim como a indignação das pessoas. Adicione-se a estes fatos o estigma e falta de auto-estima do povo que crê fielmente na máxima de que “tudo no Brasil acaba em pizza”, desestimulando ainda mais o interesse político-nacional. Como esquecer o notório episódio do ex-presidente Fernando Collor? Na época de seu Impeachment, o movimento estudantil dos Caras-pintadas ganhou repercussão internacional. Mas o político retornou à vida pública tempo depois, eleito Senador por Alagoas. Assim como muitos outros também ressurgiram de marcantes escândalos, como se nada tivesse acontecido.
Não se discute aqui a probabilidade de redenção ou mudança que qualquer um pode ter, nem ao menos a possibilidade do homem reerguer-se após um “erro”. Mas sim o comportamento do povo frente aos ilícitos do cenário político do Brasil.
Mas a verdade é que talvez o brasileiro não tenha a memória tão curta assim. Apenas age de forma a perdoar, sem ao menos saber que de fato perdoa. O brasileiro perdoa tacitamente; implicitamente. Abaixando a cabeça com o tempo; rendendo-se ao injusto, por ter se cansado de buscar a real justiça. Se nem o Poder Judiciário consegue punir os políticos, fazendo do Brasil o país da impunidade, do dinheiro na cueca, da pizza, do panetone, porque não ser nobre o bastante para fazer vista grossa frente ao que passou? Talvez, assim como Sócrates, os brasileiros inconscientemente entendam a importância do perdão, julgando, ainda que esporadicamente, a vida política. Manifestando o sentimento por mudanças nas ruas, em debates escolares, pontos de ônibus, nos olhares que reprovam e nos comentários que depreciam a desonestidade. Feito isso, se recolhem. Aplicam o perdão tácito como forma de superar a inalcançável justiça política.
Aos políticos que fazem de seu universo um campo de ilicitude, talvez pouco importe a beleza do ato ou o ponto de equilíbrio que harmoniza a balança da justiça, valores ou pudores. Resta a eles a praticidade do perdão, dita por Cícero. Quando necessário, por que não pedi-lo? Ou melhor: por que não dá-lo, para também ser perdoado? Assim fez Arruda, assim fizeram muitos.
Se por um lado releva-se facilmente o que ocorre no campo político e nos crimes de Colarinho Branco, a sociedade brasileira é rígida quando se trata de delitos contra a vida e pessoa, moralmente imperdoáveis na maioria das vezes. Nesta semana, por exemplo, recebeu progressão para o regime semiaberto um dos responsáveis pela morte do menino carioca João Hélio, de apenas seis anos, arrastado preso ao cinto de segurança do carro da família, após um assalto, em 2007. O jovem - na época com 16 anos - que participou do brutal crime de repercussão nacional, recebe da justiça o abrandamento da punição, assim como previsto pelo ECA, mas está longe de ser perdoado pela sociedade. Perseguido, deve inclusive passar a integrar um programa de apoio e proteção à criança e adolescente ameaçados de morte.
Esta situação espelha não só o repúdio dos brasileiros contra os delitos mais cruéis, como também a dificuldade de perdoar tais comportamentos, inclusive após o cumprimento da sentença. Em episódios deste tipo, surge da criminalidade a mais severa das punições, que penaliza o criminoso com duas penas. Primeiramente, a da justiça: criada para todos, imparcial, delimitada pelo tempo e, por sua natureza, perdoável juridicamente ao fim de seu cumprimento. Posteriormente, a social: moralmente questionadora, imperdoável na maioria dos casos e que se arrasta, indefinidamente, pelo tempo.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

O Perdão Individual e a Justiça Coletiva

Nossa sociedade vive sob diversas influências, exercidas direta e indiretamente em nossas ações. Duas das principais influências são a religião e o direito. Apesar de ambas terem diferentes graus imperativos em nosso comportamento, são extremamente importantes, e buscam finalidades diferentes.
A religião Católica ainda é a mais influente em nosso país. Através da nossa história ela perdeu poder, mas seus princípios ainda estão enraizados em nossa cultura. Um dos pontos mais importantes da doutrina católica é o perdão. Em diversas passagens da Bíblia vemos Jesus ensinando a perdoar ao próximo, não é preciso ser esforçar para lembramos o caso do apedrejamento da mulher adultera em que ele proferiu umas de suas frases mais lembradas: “atire a primeira pedra quem nunca errou”. Outro caso bíblico é o de Maria Madalena a prostituta arrependida que se tornou um de seus seguidores mais devotos e foi a primeira a ver seu túmulo vazio. E, por último, sua própria morte traduz sua mensagem: Ele não odiou as pessoas que o condenaram injustamente, em um ato que resume todos seus ensinamentos, ele as perdoou.
Apesar da importância da religião, é a Lei que possui a força coercitiva para se impor legitimamente, mesmo que contra a vontade e o interesse de uma ou um determinado grupo de pessoas.
A chamada justiça, que todos desejam quando ingressam no judiciário buscando solucionar um litígio, na maioria das vezes envolve perda para uma das partes em favor de um ganho para outra. Esse ganho pode ser “justo” ou não, o que importa na maioria das vezes é a garantia de que a sociedade continuará. A segurança jurídica é fundamental para o prosseguimento tranqüilo da sociedade.
Entretanto, para a maioria da sociedade a justiça não pode ser obtida por meio das decisões judiciais. Justiça envolve uma punição igual ao delito cometido, um grande exemplo disso é a mobilização que ocorreu no caso de Isabela Nardoni. Situação na qual centenas de pessoas ficaram por dias em frente ao prédio da menina, unindo-se em uma turba que clamava por justiça, porém o que eles queriam era sangue, um apedrejamento público, assim como aquele que Jesus interrompeu. Penalidade muito diferente da prevista para o homicídio. O mais assustador, porém, é o fato de que não havia nenhum prova concreta da autoria do fato, no entanto o casal já estava condenado pela opinião pública. Para a sociedade em geral, justiça requer uma ação mais cruel que a cometida pela pessoa, é o sangue por sangue.
O curioso é imaginar que em um país católico como o Brasil, em que a maioria das pessoas se diz praticante, a principal mensagem de Cristo não seja entendida. O perdão é diferente da justiça obtida nos tribunais. O perdão é um ato pessoal, enquanto uma sentença é uma decisão sobre uma lide, ela busca a pacificação social. Porém não é só em nosso país que a principal mensagem da religião não é compreendida, todas as religiões possuem a mesma idéia, porém o ser humano é selvagem, como diriam os contratualistas, ele precisa de um pacto social, de uma lei coercitiva para ser capaz de conviver harmoniosamente em sociedade.
A justiça que a lei busca pode ser pensada de diversas formas, um exemplo seria o direito penal, mesmo que os parentes da vítima ou ela mesma perdoem o transgressor, se a ação penal for pública incondicionada, pouca importa o perdão, pois o que se busca é a aplicação de uma punição que tem um caráter social mais importante, pois inibe outros de a repetirem, ao mesmo tempo em que, teoricamente, reeduca quem a cometeu. No entanto, mesmo o direito penal prevê a possibilidade do perdão judicial, concedido pelo juiz.
Pode se concluir, então, que Perdão e Justiça são coisas. O primeiro é um ato humano que requer esforço, pois não é fácil aceitar algo que nos desagrada e machuca, quanto mais ser capaz de não querer devolver o sofrimento causado, criando um círculo de mais dor. Em segundo lugar, a justiça que deve ser entendida como uma necessidade para a vida social, uma garantia para todos, que barra os instintos humanos e através de punições tem o poder de coibir.
Sendo assim, percebe-se que o Perdão é individual e gera efeitos apenas para quem perdoa e quem é perdoado, enquanto a Justiça é social e envolve todos, pois ao punir alguém ou garantir o pagamento de uma dívida ela está garantindo a existência da própria sociedade.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Justiça e Perdão na execução penal

“O trabalho é a própria vida do homem.” (Lotmar)

Como força capaz de levar à transformação do ser humano, deve o trabalho ser estimulado. E nada mais estimulante a um homem do que a liberdade. A liberdade mediante trabalho. Um trabalho que dignifica, que liberta. Um crescimento através da labuta. Emerge desse contexto, a abordagem que a seguir se fará a respeito do instituto da remição penal.

A remição penal surgiu em 1937, por meio de decreto do governo franquista, para ser aplicada aos prisioneiros da Guerra Civil espanhola. Apesar da triste origem histórica em que se inspirou o nosso legislador, que introduziu o referido instituto em nossos sistemas penal e penitenciário a partir da Reforma de 1984, a remição constitui-se como uma importante conquista no que diz respeito ao abrandamento do processo de execução da pena privativa de liberdade.

O instituto da remição pode ser entendido como um direito subjetivo assegurado ao condenado, primário ou reincidente, que cumpre pena em regime fechado ou semi-aberto, de reduzir parte de sua pena pelo exercício do trabalho prisional, seja ele externo ou interno. De acordo com o artigo 126, da Lei de Execução Penal, a cada três dias de trabalho, o tempo de encarceramento do condenado será reduzido em um dia.

Cabe não olvidar a relevância que tem o papel do trabalho, como direito fundamental do ser humano, como instituição contribuinte para a (re) construção da personalidade individual, e como responsável pela ressocialização, pela reinserção social.

O trabalho pode ser examinado sob duas óticas, a objetiva e a subjetiva. Nos interessa, por ora, o aspecto subjetivo, segundo o qual não existe o resultado do trabalho sem a constatação da existência da pessoa que o realiza, o que dá ao mesmo uma dimensão ética insuperável.

O trabalho é um traço específico da personalidade do homem, uma vez que o acompanha em todos os momentos de sua existência. Nada dignifica mais o homem do que o trabalho, que se apresenta como condição para o crescimento moral, espiritual, religioso, intelectual, cultural, científico e material. Explicada está, portanto, a importância do trabalho nos sistemas prisionais.

A justiça, in casu, estaria coexistindo harmonicamente com ato de perdoar. Perdão em troca de um encontro mais íntimo com o atributo da dignidade, que também é uma forma de libertação, e, creio eu, mais preciosa do que a liberdade prisional, porque se realiza dentro de nós e diminui a distância que há de nós para nós mesmos. Ademais, vale ressaltar que o trabalho é um meio de preparar o sujeito para a ressocialização, para o reencontro com a sociedade. Tem-se, a partir daí, um binômio de relevante importância, a ser construído com base na justiça (é justo que haja recompensa pelo trabalho, a propósito, justo e legal, pois, ao menos em tese, o trabalho escravo há muito já fora abolido) e recompensado com o perdão, a saber: liberdade e dignidade humanas.